segunda-feira, dezembro 05, 2011

Pulsar

Na ribeira deste rio
Ou na ribeira daquele
Passam meus dias a fio
Nada me impede, me impele,
Me dá calor ou dá frio
Vou vendo o que o rio faz
Quando o rio não faz nada
Vejo os rastros que ele traz
Numa sequência arrastada
Do que ficou para trás
Vou vendo e vou meditando
Não bem no rio que passa
Mas só no que estou pensando
Porque o bem dele é que faça
Eu não ver que vai passando…
Fernando Pessoa


 
Não sou capaz de levantar voo no mar encapelado em que me debato para não submergir. Sinto-me um albatroz desajeitado sem saber como e para onde estender as asas, com tanto ar acima, com tanto espaço para se sentir dono do mundo em redor.

Há sempre momentos destes em que, se por um lado nada nos impede de sair da letargia em que mergulhámos mercê de condições que nos são estranhas, nada nos impele também a abandonar o remanso imposto pelo cansaço. É difícil reagir quando todas as condicionantes são adversas a qualquer alteração, quando tudo parece tão natural acontecer nesta pobreza de espírito em que tudo é suficiente, sem esforço nem é preciso alimento, sem fome o cheiro da comida traz náusea.

É o rio a passar devagarinho, a levar com ele as memórias da fonte que lhe deu vida, a alegria de ser um regato alegre a serpentear entre campos, depois a saltar entre pedras, em rápidos e cachoeiras, a despenhar-se de muito alto e a reviver sempre espargindo arco-íris a brincar com o sol. E seguir em frente, a caminho da foz, o mar à espera no abraço final, já não mais rio, já não mais doce, já seduzido pelo oceano em vagas ondulantes, vogando na eternidade.

Eu vejo sempre o rio a passar, não me esqueço de o ver ondear, de o ouvir sussurrar, de sentir-lhe a frescura, de pressentir-lhe a imensidão quando as chuvas permanecem por dias sem conta.

O meu rio é fiel e eu sei, sou, o caminho dele.

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

rio ladeado de salgueiros frondosos e acariciantes. bálsamo para quem passa...

beijo