Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.
Ténue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.
Segue-o meu ser em liberdade.
Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.
Ténue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.
Segue-o meu ser em liberdade.
Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Um segredo só é segredo se for solitário, se pertencer a um só. A partir do momento em que se partilha com alguém deixa logo de o ser, perde a magia.
O vento sopra os segredos pela folhagem e ela logo enceta um cicio, uma dança, um farfalhar que acorda os sentidos dos seres que pululam, se acolhem, se escondem nos ramos, nos troncos, na manta rasteira circundante. E eis que adivinham a chuva ou o fogo, o suão ou o frio do inverno a chegar. Ou algum predador.
Os segredos que o são de verdade têm a chave dentro deles como a lua nova, há que esperar que o sol nos mostre o caminho da face, paulatinamente, primeiro um sorriso tímido, depois mais rasgado, até ao descobrimento final do riso aberto, o rosto deslumbrante.
A palavra pequenina «chave» consta no dicionário com mais de uma vintena de entradas, para além das palavras compostas dela, para além da clave, que também é chave, por via erudita.
Pois a chave é uma senhora muito esquiva, e afinal tão fácil de achar se nos dispusermos a isso sem preconceitos. Acode-me a história atribuída a Colombo, do problema de colocar o ovo de pé; a chave logo ali, ninguém tinha dito antes que não se podia quebrar. Preconceito, preconcebimento, se preferirem – não sei se a palavra existe dicionarizada.
É isso mesmo. Há chaves e chaves. Chaves físicas e não físicas. Chaves de segredos que se procuram uma eternidade e palpitam tão perto de nós, prontos a satisfazer a curiosidade que acalma os sentidos. Ou não. Mas a descoberta da chave, só por si, é uma conquista, ainda que o segredo se mantenha inviolável, por mera decisão dos intervenientes. Também se chama livre-arbítrio. Pela negativa.
3 comentários:
mágicas chaves. que são senha de (re)conhecimento...
belíssimo
beijo
Estás,claramente, a desvendar os segredos das palavras (ou a encontrar a chave). É muito bela essa tua intimidade com elas...
O segredo e a chave que o guarda, acabando por sê-lo. Não saberei dizer se a partilha de um segredo
por duas pessoas não continua a ser
segredo. Imagine-se que as pessoas
têm cada uma a sua chave «password»
e cumprem o compromisso de não ace-
der ao interior do cofre que guarda
o segerdo?
Enviar um comentário