São contra a morte, ou contra a vida, as vozes
que tão fugatamente desconversam?
São contra a terra ou contra o céu as pausas
quase imperceptíveis que retornam?
São contra as coisas ou são contra os homens
certas singelas notas que persistem?
Ou a favor? Não sei. Talvez que sejam
uma existência que se vive ouvindo
apenas o fluir da música nascida
de não fluir mais nada que não seja a vida.
Jorge de Sena
Gosto de dormir num quarto com janela virada a Nascente.
Que a luz me chegue ténue pelas madrugadas e eu possa sentir-lhe a coloração logo mais intensa e colorida pousada na parede em frente, filtrada pelas persianas, quieta, ou de preferência em sombras bruxuleantes de folhagem através do vidro transparente.
O começo do dia, o acordar das manhãs, trazem-me sabores, odores, acordam-me os sentidos devagar, quantas vezes deleitados nas recordações dos tempos da infância, olhos fechados a tentar recordar os sons, os sons esperados, os sons ansiados, os sons que ficaram gravados, as vozes.
As vozes que não voltam mas que identificaria entre mil, com o instinto de uma andorinha dos trópicos ou um pinguim na Antárctica. É o tempo mais prenhe do dia, em breves minutos o pensamento a ordenar o que surge em catapulta do que há para concretizar, logo depois olhar em volta e ter a certeza de que o mundo não foi escrito a preto e branco. Entre o nascer e morrer existe a vida que os meus sentidos captam decididamente em tonalidades múltiplas, das mais suaves às mais vibrantes, capazes de ferir o olhar ou dar-lhe encantamento. Também nas duas tintas sem cor, quando a Lua se recorta envergonhada a subir no horizonte, a fugir do beijo da Terra.
Sou eu que tenho de usar esse pincel de luz matinal quando tudo se esvai, quando não há sol ou a tempestade ruge apagando todas as vozes.
3 comentários:
Com efeito, esse acordar é sempre
uma espécie de acordar para a vida.
E, como sente, essa vida escorre,
depressa ou devagar,como a areia na
ampulhete. Há uma vertigem final que ninguém jamais explicou em que
consiste, se não houver retorno
Somos nós que vamos colorindo os dias à medida das nossas capacidades e da nossa coragem.
Bela pintura, a tua:))))
de filigrana delicada esse (teu) acordar. ou talvez a vibração do cristal nesse (re)começo dos dias...
beijos
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