«Ao almoço a conversação veio naturalmente a cair no seu objecto mais óbvio, Santarém. D. Afonso Henriques e os seus bravos, S. Frei Gil e o Santo Milagre, o Alfageme e o Condestável, el-rei D. Fernando e a Rainha D. Leonor, Camões desterrado aqui, Frei Luís de Sousa aqui nascido, Pedro Álvares Cabral, os Docems, quase todas as grandes figuras da nossa história passaram em revista. Por fim veio Santa Iria também, a madrinha e padroeira desta terra, cujo nome aqui fez esquecer o de romanos e celtas.
Quem tem uma ideia fixa, em tudo a mete. A minha ideia fixa em coisas de arte e literárias da nossa península são chácaras e romances populares. Há um de Santa Iria.
Por que é a Santa Iria da trova popular tão diferente da Santa Iria das legendas monásticas?
A trova é esta, segundo agora a rectifiquei e apurei pela colação de muitas e várias versões provinciais com a ribatejana ou bordalenga, que em geral é a que mais se deve seguir.
Estando eu à janela c’oa minha almofada,
Minha agulha d'oiro, meu dedal de prata
Passa um cavaleiro, pedia pousada:
Meu pai lha negou: quanto me custava!
— Já vem vindo a noite, é tão só a estrada...
Senhor pai, não digam tal de nossa casa
Que a um cavaleiro que pede pousada
Se fecha esta porta à noite cerrada.
Roguei e pedi — muito lhe pesava
Mas eu tanto fiz, que por fim deixava
Fui-lhe abrir a porta, mui contente entrava;
Ao lar o levei, logo se assentava.
Às mãos lhe dei água, ele se lavava:
Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.
Poucas as palavras, que mal me falava,
Mas eu bem senti que ele me mirava.
Fui a erguer os olhos, mal os levantava,
Os seus lindos olhos na terra os pregava.
Fui-lhe pôr a ceia, muito bem ceava;
A cama lhe fiz, nela se deitava.
Dei-lhe as boas-noites, não me replicava:
Tão má cortesia nunca a vi usada!
Lá por meia-noite, que me eu sufocava,
Sinto que me levam c’oa boca tapada...
Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,
Correndo, correndo sempre à desfilada.
Sem abrir os olhos, vi quem me roubava;
Calei-me e chorei — ele não falava.
Dali muito longe que me perguntava:
Eu na minha terra como me chamava.
— Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
Por aqui agora Iria, a coitada.
Andando, andando, toda a noite andava;
Lá por madrugada que me atentava...
Horas esquecidas, comigo lutava;
Nem força nem rogos, tudo lhe mancava.
Tirou do alfange... ali me matava,
Abriu uma cova onde me enterrava.
No fim de sete anos passa o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro,
—"Que ermida é aquela, de tanto romeiro?"
—“ É de Santo Iria, que sofreu marteiro."
— 'Minha Santa Iria, meu amor primeiro,
Se me perdoares, serei teu romeiro.”
—"Perdoar não te hei-de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro." »
Almeida Garrett, «Viagens na Minha Terra»
6 comentários:
Desejo-te um bom ano de 2010. Muitos beijos.
Joaninha de olhos verdes. um amor da minha adolescência...
beijo.
Bom Ano
Amiga,
felicidades para ti em 2010.
Desejo, de coração, que Deus seja contigo.
Abraços afetuosos.
Então um lifting ao rosto do blog, para entrar fresquinho em 2010!!!Está encantador, como é encantadora essa página de Garrett que transcreves,como são encantadoras as fotos da nossa terra vizinha:))
Beijo de BOM ANO NOVO!
Bom Ano, então!
E gosto da brancura azulada onde assentas agora as tuas palavras e fotografias.
Um abracinho
beijo
Bom Ano.
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