quarta-feira, maio 20, 2009

Mudam-se os tempos...


Mas não desistas ainda. Tens tanto ainda que amar. Olha a vida e sorri. E não te perguntes para quê. Porque o mais extraordinário dela é justamente não ter para quê. Saber para quê, é dar-lhe uma finalidade conclusa, limitá-la, fechar-lhe o seu excesso. Pensa assim que o seu absurdo é a sua maior razão.

Vergílio Ferreira


Meu pai que Deus haja – utilizando uma expressão bonita caída em desuso – dizia sabiamente que Deus se encarregava de confrontar os homens, no fim da vida, com situações de tal modo assombrosas que os levava a aceitar com resignação a irreversibilidade da morte.


Pois as gotas vão caindo devagar.


Numa revista de grande tiragem, li esta semana um artigo de duas páginas, encimado de grandes letras, ilustrado a grandes desenhos, que me colocou reduzida a mera nota de banco dentro da grande instituição bancária que é a sociedade em que estou inserida. O artigo era bem simples e prosaico: o casamento. Ou antes, o presente que se deve oferecer no casamento tout court, como hoje é entendido, contrato entre homens e homens, homens e mulheres, mulheres e mulheres. Nada daquele dia longamente ansiado, o primeiro voo do ninho paterno, a celebração de um início de vida a dois, o enfim-sós.


Nada disso. Aquilo a que chamarei o negócio do casamento, nunca indevidamente, porque o casamento é sempre um negócio, por deprimente ou pejorativo que possa parecer o termo aplicado. Neste caso, o cálculo de um investimento monetário na ordem dos 125 euros por pessoa, com lucros esperados capazes de suprir às fantasias de um casal já instalado na vida comum, sem necessidade, portanto, de ofertas de peças decorativas ou utilitárias para a casa. Muito menos presentes de valor afectivo. O retorno deveria cifrar-se em notas de banco ou cheques, em sobrescritos fechados, e o volume dos mesmos augurava bons lucros. Tudo corrente e habitual.


O ponto relevante do artigo era então a falta de vergonha de quem ocupou um lugar de 125 euros, desfrutou do repasto e da visibilidade mediática do acontecimento e entregou um envelope vazio ou, com algum despautério, nem se dignou fazê-lo. Pior: uma tia anciã teve a coragem de bordar um relógio a ponto-de-cruz e oferecê-lo aos noivos!


Sem outras considerações, este é o espelho da nossa crise, sem saída à vista porque arrasa a educação para os valores do humanismo, reduzindo tudo a transacções monetárias, ao mesmo tempo que aceita como normalidade o facto de se iniciar uma nova vida desde logo acima das reais possibilidades.


Para além de quem assina o artigo, há também uma «directora pedagógica» a dizer dos costumes actuais, a estabelecer a norma.


Para que conste, não aceito convites de casamento.


2 comentários:

dona tela disse...

Eu, a Dona Jaawa nem pergunto se conhece a Capadócia. Eu acho que até conhece o Verdelhal.

Muitos cumprimentos.

Rocha de Sousa disse...

Há cada vez mais coisas contra a
natureza: o casamento (hoje) abocanhado pela indústria de tais
eventos. Já pensou num jovem do BE
a casar numa quinta, com tenda e comida capaz de matar a fome a mil
sem-abrigo? Duas pessoas podem viver muito tempo, até ao fim, sem quebra: basta gerir a ternura que resta dos anos de brasa.
Também já não vou a casamentos nem
compro presentes.