domingo, março 01, 2009

Diadorim


“Estou vendo vocês dois juntos, tão juntos, prendido nos cabelos dela um botão de bogari. Ah, o que as mulheres tanto se vestem: camisa de cassa branca, com muitas rendas… A noiva, com o alvo véu de filó…”

Diadorim mesmo repassava carinho naquela fala. Melar mel de flor. E me embebia – o que estava ensinando a gostar de minha Otacília. Era? Agora falava devagarinho, se sonsom, feito se imaginasse sempre, a si mesmo uma história recontasse. Altas borboletas num desvoejar. Como se eu nem estivesse ali ao pé. Dela vivendo o razoável de cada dia, no estar. Otacília penteando compridos cabelos e perfumando com óleo de sete-amores, para que minhas mãos gostassem deles mais.

João Guimarães Rosa



Li há poucos dias que os Judeus atribuem grande responsabilidade aos pais quando decidem o nome a dar a seus filhos. Parece que é essa palavra que os vai ligar às coisas, às pessoas, aos lugares, e assim por diante. Achei curioso porque me identifiquei com isso e senti-me bem quando recordei quem decidiu o nome que dei aos meus. É que sabia na altura que era costume aceitar a opinião dos padrinhos, que não consultei.


Depois, tudo é uma questão de fazermos ligações, encontrar coincidências, procurar adaptar o nome a nós, ao que somos; claro que não em função do nome que nem sempre aceitamos mas não podemos na prática alterar (embora seja possível), mas em função de nós próprios, do nosso pulsar de vida. Afinal temos gostos, desgostos, amores, desamores, sabores e dissabores.


Os outros também podem embrulhar-nos o nome em pratas como os bombons de antigamente: o texto, que serve de entrada ao post de hoje, é um passo de um livro eterno – Grande Sertão:Veredas –, não para ser lido de uma vez, mas para se ler e reler aqui e além porque é profundo, porque é simples na sua complexidade de escrita, porque diz tão bem, tanto do que é natural e eu procuro sempre. Assim releio o autor que mereceu de seu grande amigo Carlos Drummond de Andrade o poema de que se transcreve o final a seguir e cujo fac-símile aparece no início da obra referida – publicado três dias após a sua morte, no jornal Correio da Manhã, periódico brasileiro do Rio de Janeiro que não sobreviveu ao regime militar instaurado no Brasil por meados dos anos sessenta.


(…)Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?


Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?

E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?

Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.


Carlos Drumond de Andrade


Jawaa é uma palavra onomatopaica: repete o som da ave que voa. A semi-vogal inicial é correspondente ao meu nome de registo e as outras repetem-se no segundo nome. Com outros atributos que se colam, nem foi mal escolhido o nick, que o foi na altura por razões outras.


Uma forma de olhar o mundo. Há dias assim.


8 comentários:

Justine disse...

Muito interessantes, as tuas reflexões sobre os nomes e como eles se adaptam a nós e vice-versa.
Jawaa, ave em voos largos, sempre em boa companhia de poetas e escritores eternos:))
Abraço

dona tela disse...

Agora fiquei preocupada. Tela será ONOMATOPAICO? Que grande buraco...

Rafael Almeida Teixeira disse...

Cada vez que entro aqui saio diferente de quando entrei.

Poço de cultura esse espaço.

Manuel Veiga disse...

gostei muito. partilho também a ideia de que os "nomes" dizem mais do que aquilo que designam...

diz-me o teu nick, digo-te quem és! rsss

beijo

Rui Caetano disse...

O nomes são os nossos símbolos.

Rui Caetano disse...

gostei.

M. disse...

Muito interessante esta reflexão.

bettips disse...

Acho que sim, se nos deixarmos de modas. Há palavras que nos "falam".
Concordo com o teu Jawaa e gosto do teu vôo sensível, sobre os poetas e lugares que nunca conheci e tu trazes.
Acho que te vou mandar flores.
Bjinho