«…Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.»
Bernardo Soares.
Já conduzia pela mão jovens serpenteando o caminho da escrita – como a chuva ajuda a abrir as rosas – quando praticamente se aboliu a grafia dos acentos graves. Início dos anos setenta.
Assim, ao cuidado de agradàvelmente dar uma volta ao acento quando transformava o adjectivo em advérbio de modo (ainda se nomeiam assim?...), também tinha de o fazer se precisasse de abrandar o chá em chàzinho, deitando-lhe um pouco de leite. Para não ficar só, ou sòzinho, que é mais doce se não quiser o açúcar. Restou o «à» e o «àquele» com seus companheiros de tribo.
Foi fácil, era só não pôr o acento.
Nessa altura já não tinha meu pai a protestar terem acabado com o trema – que nunca usei em Português mas lhe admitia estatuto – acento que já não constava da minha tranquilidade, era meu pai quem se sentia arguido. Agora ouço o mesmo protesto do outro lado do Atlântico.
Mas concordo com o Acordo Ortográfico, é bem de ver. Facilita quem já escreve mal, os que vão aprender, os que nunca aprenderam até hoje. Os que sabem escrever sem erros ortográficos, enfim, que aprendam a desembaraçar-se de letras inúteis, nem é difícil. Bem dizia Camus: c’est l’habitude…
Pelo que li sobre o assunto, as línguas europeias disseminadas pelo mundo têm uma forma de acordo, tácito ou escrito, de respeitarem entre si as diferenças de grafia. O que não podia, não deve continuar a haver, é uma língua, o Português, com duas grafias oficiais.
Portugal, não somos nós, os que aqui habitamos; é hora de lembrar Pessoa, o homem da futurologia. Temos é a obrigação de preservar a Língua Portuguesa, falada por mais de 200 milhões de pessoas, numa grafia única. Tudo o resto é paisagem, e digo-o com o sentido duplo de que a cada paisagem a sua tonalidade oral, o seu encanto único, os sotaques próprios de cada espaço.
Há lá coisa mais bonita do que encontrar num mundo longe um conterrâneo e identificá-lo como oriundo das Ilhas, do Norte, do Alentejo, de Angola, Brasil, Timor…?!
14 comentários:
A Língua portuguesa está a passar por um período de implantação, quer nos países Africanos de Língua Portuguesa, quer em Timor Leste. Na Guiné-Bissau esteve até para ser adoptado o Francês como língua oficial e em Timor-Leste o Inglês. Daí será fácil concluir que a língua portuguesa nas nossas ex-colónias não ficou muito bem cimentada. Esses países já não são colónias portuguesas, são livres e tanto poderão seguir o português falado em Portugal, por 10 milhões de habitantes, como o português falado no Brasil, por 220 milhões.
A teoria de Darwin é mesmo verdadeira e Portugal, se teimar em não se aproximar da versão de português do Brasil sujeita-se a ficar só e, mesmo assim, não vai conseguir manter a pureza da língua porque ela evolui todos os dias, independentemente da questão que agora se nos põe: todos os dias há termos que caem em desuso e outros novos que são adoptados pela nossa língua, em especial termos ingleses que são adoptados sem quaisquer modificações.
Se não houver aproximações sucessivas ambas as versões do português continuarão a divergir e daqui a algumas gerações serão línguas completamente distintas. Será então a altura de Portugal confirmar que saiu a perder porque ficou agarrado a um tabu que não conseguiu ultrapassar.
O Brasil tem um impacto muito maior no mundo do que Portugal, dada a sua dimensão, população e poderio económico que em breve irá ter. O nosso português tem hoje algum peso muito em função dos novos países africanos PALOPs ) e de Timor Leste, mas ninguém garante que esses países não venham um dia a aproximar o seu português da versão brasileira e há até já alguns sinais nesse sentido. A população do Brasil permite altas tiragens das publicações que ficarão mais baratas e, se houver maior harmonização, as editoras portuguesas (e amanhã dos PALOPs ) poderão vender mais no Brasil.
Se Portugal permanecer imutável um dia poderá ficar só: a língua portuguesa de Portugal será então considerada uma respeitável língua antiga (o Grego é ainda mais), da qual derivou uma outra falada e escrita por centenas de milhões de habitantes neste planeta. O nosso orgulho ficar-se-á por aí e pronto!
Ambas as versões de português têm uma raiz comum e divergem há apenas cerca de 250 anos. Outros tantos anos a divergir e já não nos entenderemos, terão que ser consideradas duas línguas.
O acordo ortográfico é uma decisão apenas política que os técnicos terão depois que assimilar e seguir. Por exemplo: não se poderá alterar por decreto que uma molécula de água passa a ter dois átomos de oxigénio e outros dois de hidrogénio; ou que 5 vezes 5 passa a ser 28, em vez de 25. Mas por decreto pode alterar-se a grafia de "acção" para "ação" e quem não o aceitar passa a cometer um erro.
Portugal nada ganhará de imediato, mas tem muito a perder no futuro se rejeitar agora o acordo que o Brasil está disposto a aceitar.
Zé da Burra o Alentejano
li os dois últimos textos, mas estou atrapalhado com a postagem dos textos para o 2º Jogo das 12 Palavras, pois coloco tudo direito e quando volto está tudo desformatado. Uma confusão.
Já tentei várias metodologias, mas as consequências continuam iguais.
Recebi o teu texto.
Belo, curto e também inesperado no "caminho" a que estas 12 palavras te conduziram.
Que bom que decidiste participar.
Para comentar tenho que voltar e reler.
Ah, e não, pelo nome - Eremita - garanto-te que não dava para ser semanal...LOL
Fraterno abraço
Belíssima, a nossa língua com camélias dentro! Que seja abrangente para ser maior...
A gente lá se adaptará, admiràvelmente, admiravelmente, e sem perder os nossos sons e dialectos.
Bjinho
Como tens razão Jawaa!
é mesmo um gosto ouvir a nossa lingua, onde menos se espera.
É como se de repente deixassemos escorrer por entre os dedos, um pouco da terra nossa...
Beijinho e obrigada pela visita!
O prazer de te ler. Repito-me, eu sei, mas é o que me apetece dizer.
Ainda não deixei transparecer, publicamente, a minha opinião sobre o falado e propalado Acordo. Não será, com certeza, aqui o local mais adequado para o fazer.
Mas isso não me impede de concordar, em absoluto, com a pressuposto pátrio aqui expresso (mesmo que o dito pressuposto me faça alguma comichão...): a Língua.
Quanto ao resto... é falacioso, a propósito, agitar o espectro das línguas mortas. As ditas, foram-no, por razões bem diversas, como se sabe...
abraço!
oportuno. inteligente. e muito bem escrito...
concordo. em absoluto...
O 'resto', de facto, foi uma expressão mal escolhida, mas, na verdade ela apenas queria significar referência ao que li, aqui nos comentários, antes de deixar a minha opinião. Daí que, obviamente, a afirmação de que agitar o espectro das línguas mortas, não refere, em nada, o texto do post.
As minhas desculpas, amiga, pela criação de um mal-entendido, só justificável por alguma informalidade na escrita.
abraço!
Ah!, esqueci-me...
se lá voltasses irias ver que o removi!...
abraços!
Vou comentar esse post, mas não aqui. Como estudante da Língua Portuguesa tenho a "obrigação" de expor minhas considerações.
Um abraço com afeto do seu amigo Rafael.
Eu concordo, parece-me que estamos todos a exagerar. Viva a mudança e para melhor...
Não é por acaso que os seus visi-
tantes se acatovelam nesta caixi-
nha: a sua prestação oportuna é ca-
da vez mais mobilizadora dos nossos
sentidos. Escrevo-lhe depois, esta
tarde ou amanhã, pois o assunto deixa-me enovelado nesta caixinha.
Talvez amanhã possa ver o meu «re-
torno» à pintura. São peças basea-
das na pintura digital, como por certo compreenderá, a primeira que
vou publicar algo tosca para meu gosto e que talvez intitule «Um simples Saco de Praia».
Direi alguma coisa sobre o lixo do
universo.
Até breve.
Obrigado por nos ajudar a pensar
Rocha de Sousa
Um texto muito agradável à leitura. Um bom dia de 25 de Abril.
Pois eu não concordo em nada com o novo Acordo Ortográfico.
Não deixarei de entender quem fala sonoridades idênticas às minhas mas não me apetece nada de fa(c)to perder a minha identidade linguistica.
E exactamente porque a língua é dinâmica nada se perderá, actualizar-se-á, dentro do contexto do proverbialismo e da modernidade consentidas.
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