sexta-feira, novembro 16, 2007

Comportamentos


Não vale a pena no fundo planearmos coisa nenhuma para a nossa vida. As nossas vidas serão sempre mesquinhas se elas se incluírem dentro do restrito tempo e dentro do restrito espaço em que nossas vidas podem desenvolver. Elas só são grandes, quando nós incluímos, juntamente com a vida dos que viveram antes de nós e juntamente com a vida daqueles que são nossos contemporâneos, a vida daqueles que virão depois de nós.

Agostinho da Silva




Parece que os outonos se desdobram, cada vez mais frequentemente, em primaveras serenas, cheias de beleza nos dias sossegados, sem vento, só a temperatura lentamente a trocar as voltas.

Até as rosas permanecem, quase pondo em questão aquela outra de el-rei trovador – «Rosas em Janeiro?» – que consagrou santa uma rainha no nosso Portugal ainda menino, recém-nascido para a língua portuguesa. Na lucidez dos dias que correm, santa seria, não pelas rosas que ao calor do regaço se fizeram pão, mas pelos sorrisos ao senhor seu rei, que em trovas de amor cantava loas às suas aias.

Mas o cair de chuva faz-me falta. O que mais fortemente marcou a minha infância foram as nuvens escuras troando, riscando o céu de luz, aglomerando-se diariamente em castelos no horizonte, pela tarde, e as cordas de água que se soltavam pesadamente, em torrentes, os arco-íris enfeitando os céus e logo depois aquele ar limpo, de sol outra vez, deixando o brilho e o cheiro da chuva.

O tempo mudou e os tempos mudaram.

Nas flores, nos amores, nas trindades que já não tocam nos sinos da aldeia.

O progresso trouxe as máquinas que dizem as horas, que fingem os amores, que fabricam as flores sem perfume. E trazem a morte mais cedo pelas estradas onde rolam.

O tempo mudou e os tempos mudaram.

Nós também temos de mudar.

6 comentários:

rui disse...

Olá Jawaa

Fizeste-me lembrar as trovoadas que anunciavam a chegada da chuva, as noites que se iluminavam com a luz dos relâmpagos, os raios rasgando o céu e o barulho ensurdecedor do trovão.
Não é só a recordação, é algo mais, algo que se desejava voltar a viver.
Adorei o teu texto.

Abraço

Rocha de Sousa disse...

jawaa
Não posso deixar de lhe agradecer
este último texto, mais uma vez exemplar, medido, certo,nostálgico
e certeiro na memória. Sabe que eu vi, vivendo, essas mesmas chuvas e
esses mesmos arco-iris, alguns qua-
se a nascer junto dos nossos pés, quando voltávamos ao exterior, as
botas enlameadas, de um peso ina-
creditável, e esse tal cheiro da
chuva, perfume que misturava a ter-
ra, as plantas, o efeito psicoló-
gico da cor.
Obrigado
Rocha de Sousa

Klatuu o embuçado disse...

Bela continuação de um belo excerto de um grande homem, que tive a honra de conhecer pessoalmente.

Rafael Almeida Teixeira disse...

Obrigado.
amo foto sim.
gostei do seu blog tbm, apesar de ter apenas visto superficialmente, garanto também vim aqui com mais tempo.
abraços.

Buda Verde disse...

temos que mudar mesmo.

M. disse...

Sim, mudar, mas não de tal modo que nos esqueçamos de quem somos.