quarta-feira, outubro 17, 2007

Novos Tempos


«Na fímbria branca dos telhados, nas árvores ossificadas, no ar imóvel – o silêncio. Vibra, retine como um cristal, ouço-o. Então abruptamente atiro uma patada violenta: para desentorpecer um pé? para tomar posse do mundo: um estrondo reboa como o anúncio de um Deus. Sou eu, ó noite. Trémulo olhar de lágrimas, na solidão astral, e o frio, o frio, adstringente e nulo, restrito em mim, pequeno, tão só. Terei divindade que chegue? – tão grande o universo. Pequeno e medroso aqui. Atiro a minha patada violenta, respiro até aos ossos o universo inteiro. Sou eu. Regresso enfim a casa, acendo o lume. Terei de ir à mata cortar lenha. Amanhã? Talvez amanhã. Dorme. Estás tão cansado. Amanhã é um dia novo.»

Vergílio Ferreira



Por um instante – brevíssimo, tão breve como a história do Homem sobre a idade da Terra – você tirou-me a paz. A impulsividade construiu outra história, depois o reencontro, uma e outra vez, com os seus superlativos, a sua audácia, a sobriedade, a sageza, tudo retomou o seu tempo num caminho aberto, através de tempestades de água desordenada vazada sem tino de céus ignotos, por entre os arco-íris fincados na terra donde brotou a Humanidade. Num cais, à despedida dum continente.

O homem à procura de Deus e ele aqui tão perto, tão dentro. De nós.

Escrevo, sim. Sempre. Mas escrevo uma epopeia sem nome, sem povo, sem história para continuar porque eu não creio na vontade dos homens e o deus-pastor vai apagar tudo. A terra vai reverdecer de novo, outros virão, novos tempos, para fazer uma história que não a nossa.

Não creio na reencarnação, mas creio na força da natureza, no renovar das estações, no Cacimbo das queimadas, nas Chuvas que trazem a vida, na Primavera e no calor do Sol, no escurrentar da Lua derramando a geada, nos ventos das Monções. Na Paz que vai chegar depois da avalanche das neves eternas que o não são já e não conseguimos controlar.

Quando você fizer crer aos homens que Deus está dentro de nós (e pelo ADN somos apenas um bicho), que todos nascemos negros e a deslizar na neve nos fomos tornando claros, que a alvura se mescla de escuro e o cinzento não é luto, que a violência não tem lugar, que o pão partilhado é mais saboroso, então…

Então, Vergílio, «amanhã é um dia novo».

E eu cantarei o Homem na flauta de Pã.



6 comentários:

vida de vidro disse...

Pois é amiga também eu acredito nessa capacidade de renovação mas pouco na vontade do homem. Talvez, quem sabe, um dia chegará esse amnhã novo! **

Lapa disse...

Grande escritor, um dos maiores.

Lapa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
rui disse...

Olá Jawwa

Adorei o teu texto!
Lindo!

Abraço

M. disse...

Só para te dizer que te tenho lido mas não tenho deixado mensagem.

APC disse...

Um texto intimista e universal! :-)
Li com vagar e gosto!
Deixo um abraço.