«Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração»
Eu tenho um pote de ouro, antigo.
Tiro a tampa devagar e está cheio de poalha solta e leve.
Meto os dedos nela e sinto um frio doce, macio ao toque, escorregadio.
Retiro uma porção e olho a mão aberta, brilhos espalhados, o mundo inteiro ali, pedaços de papel cor de sépia, dizendo lugares, momentos, gentes que eu nem sei, outras que não estão, outras estando, que já não são.
Assaltam-me frequentemente dúvidas quanto ao facto de sermos nós a escolher a vida que temos. Ela simplesmente acontece.
Nascer ou não em berço de ouro.
Nascer órfão de tudo.
Faz toda a diferença, cedo encontrar quem nos faça entender quanto é importante ter-se consciência do que somos e do que queremos ser, e que o sucesso de uma existência está na força interior que nos leva a ultrapassar barreiras, a derrubar obstáculos, a vencer os limites que nos são impostos. Mercê da idade, do sexo, da religião, da cor da pele, do clã a que pertencemos por nascimento, da sociedade que nos molda o carácter, que nos impõe as regras, que nos faz ver o mundo através do seu olhar.
A educação e a cultura devem facultar as outras objectivas, outros ângulos, outra luz.
Ver diversamente, alguns cedo, outros mais tarde, outros nunca conseguem.
Porém, todos rolam o seixo para a montanha, cada vez mais alta, cada vez mais íngreme.
A diferença, o que nos torna únicos, é o prazer na descida.
3 comentários:
Gosto muito da poesia do António Ramos Rosa, e também acho que não se deve adiar o coração. A educação é fundamental para o futuro de qualquer sociedade.
Qual é a sua opinião sobre a desconfiança?
Sempre a memória, essa doce ou agreste provocação. Gostei muito deste pote mágico! Bjs
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