sexta-feira, setembro 28, 2007

Luuanda


«Luanda. Ou Lua, como é conhecida na intimidade. Também Loanda. Literariamente Luuanda (veja-se Luandino Vieira). De seu nome completo, S. Paulo da Assunção de Luanda, foi fundada em 1575 por Paulo Dias de Novais (…)

(…) Hoje, misturam-se pelas ruas de Luanda o umbundo oblongo dos ovimbundos. O lingala (língua que nasceu para ser cantada) e o francês arranhado dos regrês. O português afinado dos burgueses. O surdo português dos portugueses. O raro quimbundo das derradeiras bessanganas. A isto junte-se, com os novos tempos, uma pitada do mandarim elíptico dos chineses, um cheiro a especiarias do árabe solar dos libaneses; e ainda alguns vocábulos do hebreu ressuscitado, colhidos sem pressa nas manhãs de domingo, em alguns dos mais sofisticados bares da Ilha. Mais o inglês, em tons sortidos, de ingleses, americanos e sul-africanos. O português feliz dos brasileiros. O espanhol encantado de um ou outro cubano que ficou para trás.

E toda esta gente movendo-se pelos passeios, acotovelando-se nas esquinas, numa espécie de jogo universal da cabra-cega. Moços líricos. Moças tísicas. Empresas de esperança privada. Chineses (de novo) em revoada. Meninos vendendo cigarros, chaves, pilhas, pipocas, cadeados, almofadas, cabides, perfumes, telemóveis, balanças, sapatos, rádios, mesas, aspiradores. Meninas vendendo-se à porta dos hotéis. Meninos apregoando quimbembeques, espelhos, colas, colares, bolas de plástico, elástico para o cabelo. Meninas negociando cabelo loiro, «cem por cento humano», em tranças, para tiçagem. Mutilados hipotecando as próteses. Quitandeiras mercadejando mamões, maracujás, laranjas, limões, peras, maçãs, uvas suculentas e remotos quivis.

Tio! Paizinho! Meu padrinho! Ai, olha aqui o teu amigo.

Carapauê!

Vai por quinhentos o disco, meu brother!

…Lavo…

…Guardo…

…Engraxo…

Se fosse uma ave, Luanda seria uma imensa arara, bêbada de abismo e de azul…»

José Eduardo Agualusa

9 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Cara amiga,
Olhando para data em que realizou esta lindíssima citação de Augua-
lusa, escrita densa e visual sobre
uma Luuanda prevertida e suja, ve-
rifico que o fez ontem, sexta, e julgo não me ter enganado no mês.
É reconfortante. E este escritor, que não conhecia, parece de uma avassaladora necessidade de teste-
munho e de uma modernidade na escrita em nada afectada. Fiquei muito curioso. Vou informar-me na
Ler.
Bom fim de semana
do amigo
Rocha de Sousa

M. disse...

De que livro?

rui disse...

Olá Jawaa

Lindo texto!
Só quem lá esteve, é que sente Luanda e toda a sua vivência.
Só quem lá esteve entende esta magia.

De José Eduardo Agualusa, li muito pouco, só li "Passageiros em Trânsito", mas com este extrato, despertaste-me o desejo de ler o resto do livro.
Junto o meu pedido ao da Manuela.
Diz-nos qual o livro.

Que tenhas um lindo fim-de-semana
Abraço

veritas disse...

É uma cultura que apenas conheço pelas palavras dos autores angolanos, como Luandino Vieira por exemplo, mas da qual não nos podemos demitir porque se entrelaça com a nossa...

Bjs. Bom fim-de-semana.

jawaa disse...

É um excerto do último livro dele, bem recente, «AS MULHERES DO MEU PAI».
Um abraço

rui disse...

Jawaa

Agradeço e peço desculpa pela maçada.
Muito obgrigado

Abraço

Rocha de Sousa disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
vida de vidro disse...

Espantosamente colorida, esta descrição de Agualusa. Quase sentimos a cidade. Belo. **

Anónimo disse...

"...Vem ver a Lua envergonhada
Tímida junto das estrelas surgir..."

Boa semana .