«Aqui, a maioria tem vidas chatas, e a política portuguesa é exemplo disso. Por amor de Deus, um povo que se entusiasma a discutir a licenciatura do primeiro-ministro é porque não tem mais nada para discutir!»
José Eduardo Agualusa
Qualquer um de nós tem sempre uma história para contar. Basta abrir o seu cesto mágico: há sempre uma flor, uma luzinha, um relâmpago, uma melodia de embalo – indo eu, indo eu / a caminho de Viseu / encontrei o meu amor / ai Jesus que lá vou eu! –, um esvoaçar de crém-crém, uma história inventada e recontada – da outra vez não era assim… – uma alegria, um alvoroço, um assombramento, um pesar, um ai…
Os portugueses são naturalmente pequenos, não fora o espaço um limite condicionante. Fomos império, agora somos país e periférico, assim se olham e dizem, e acabam sentindo, esquecendo o povo sábio: os homens não se medem aos palmos e, principalmente, um mais castiço: a sardinha quer-se da mais pequenina.
Da mais pequenina porque mais saborosa, a nossa sardinha mais cheia de História, mais cheia de histórias, de estórias. É preciso ler mais, ouvir mais, olhar mais para o que dizem os mais velhos. Não necessariamente voltar ao passado, no sentido saudosista e lacrimejante, mas visitar o passado com ternura, com audácia também. Talvez para condimentar um presente luxuriante, para ter uma base forte, assente em raízes que as temos profundas, para abrirmos os braços ao que chega de novo para juntar ao que temos, não para dividir, para separar, para discriminar.
O Velhote foi o cozinheiro da minha infância na fazenda. Januário Coqueiro de sua graça, minha mãe lhe deu aquele nome carinhoso porque ele foi o seu amigo numa juventude difícil, num tempo de medos, de solidão, de carência, terá sido a Bá que eu vejo agora nas novelas de época brasileiras. Depois, ele era baixote, tinha uma cara bonita, sempre risonha e juncada de rugas, pareceria um velhote, não sendo embora já muito novo na altura, creio.
Desde que nasci fui a sua menina, a quem ele deu o nome do rio que passava perto. Eu gostava de sentar-me junto dele enquanto descascava as batatas para a sopa, enquanto tirava a pele dos tortulhos para os grelhar; ainda o vejo a levar nas mãos as brasas vivas de um lado para outro, sorrindo sempre, rolando-as nelas – não queima, Vió?
Tinha um português difícil, mas eu apreciava as suas histórias toda olhos e ouvidos alerta para o entender, talvez um Matisse olhando para mim procurando compreender quando converso com ele, cachorro. Falava de pedras de ouro que brilhavam ao sol, de um grande caçador cuanhama que chegara com meu pai quando moço; das guerras do Bailundo, de serpentes que se punham de pé para afrontar os homens, de plantas que respondiam aos nossos afagos e, envergonhadas, fechavam as folhas.
Havia em casa uma foto do Velhote comigo, menina de colo, num braço, com um prato na mão e o outro apontando um pássaro debaixo de uma laranjeira, mas não consta do pequeno espólio que minha mãe conseguiu resgatar à descolonização.
Nem é preciso.
O Velhote faleceu, teria eu quinze anos.
Mas ele mora comigo ainda.
10 comentários:
Fiquei encantada com esta tua bonita história.
Vejo-me um pouco nela, pois vivi momentos muito semelhantes em Nacala / Nampula, Norte de Moçambique.
Por vezes sinto-me como um ser hibrido, culturalmente, outras surgem-me dúvidas, se serei uma coisa ou outra...
Mas tenho saudades, muitas saudades... sou feliz por isso. Porque foi importante para pessoa que sou hoje.
Um beijinho
A criaturinha: http://kanoff.hi5.com/
Diz que tem orgulho nas vestes universitárias!!
Sente-se frescura e brisa de VERÃO nestes novos tons.
Agradou-me a mudança!
Continuação de uma boa semana
gostei de ler...parabens
Olá! Sou escritor e busco amigos com interesse em literatura. Qnd tiver um tempinho, visita o meu blog. Obrigado pela atenção e parabéns pelo seu blog. Até a vista!
Boa amiga,
mas que lindo (sorvete de baunilha)
está o seu blog! Gosto muito.Eu não
tennho pachorra para refazer o meu, o primeiro.
Também gostei muito desta sua doce
narrativa, que mete os pequenos lu-
sitanos (velhote) e o tráego de palavras e de memórias que aí sedi-
mentam. A sua escrita é limpa, bem
respirada, faz-me inveja porque eu
gosto do barroco e dos «desastres principais», essa derrocada do mundo que eu vejo nas sociedades,
no afogamento do planeta e no fim
das batalhas diárias. Você deve
ser uma pessoa que vive em paz, em paz consigo mesma. Eu não tanto, mas não vivo sem as escritas,as pinturas, o cinema e o vídeo. É uma
vontade qualquer (surda) de deixar um testemunho para os outros, entre alertas e a mem´ria do amor.
Muito bem. Não é lisonja
Rocha de Sousa
Adoro...quando encontro um comentário de alguém que passou os olhos para o que estava atrás...adoro mesmo! A ver se não deixamos tombar o barco à vela. Com tanta coisa bonita - o homem é um vaidoso!!! - estou para perdoar ao Joe. E ler-te em passadas de passado é sempre um gosto! Bjinho
Que bonito! Gostei tanto!
Huummm... eu sei fazer uma «coisitas», nas quais tenho o auxílio de uns amiguitos... :) ... mas se percebi bem... tu queres é tentar proteger o blog... e não assustar alguém... :)= ... Certo?
Dark kiss.
P. S. Posso passar-te um código HTML para impedir a cópia... Mas, claro, há sempre copistas à mão... :)
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