«…Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.
O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer…»
Almada Negreiros
Eu tenho alma serrana, sinto-o cá dentro. Estou bem nos cerros do Calpe com Herculano, gosto das penedias e lameiros do Torga, da neve nas serranias do Aquilino. É verdade que me delicio com a Sintra do Eça e me assombro com os Andes de Neruda. Mas os meus olhos ficaram na montanha que acolheu o último dia da ingénua e destemida cabrinha de M. Séguin: nunca os abetos tinham visto nada tão bonito; os castanheiros dobravam-se para acariciá-la com a ponta dos seus ramos, as flores douradas e as campânulas azuis espalhavam perfume em seu redor. Toda a montanha a recebeu em festa! E tanta erva! Ervinha doce, saborosa, fresca, fina, feita de mil sabores...!
Ontem fui ao cabeleireiro e tive de esperar meia hora. Desci ao café renovado, bem no centro, onde não foi possível substituir os empregados gémeos, porque donos da casa, idênticos até no bigode. A doçaria permanece, o pão-de-ló regional e a freguesia: essencialmente mulheres de meia-idade conversam alto, não me atrevo a ouvir o que dizem num timbre de voz análogo, deselegante como os seus corpos que se não escondem ao Verão que chega, mau grado o ar bisonho; na mesa ao lado, uma jovem acende um cigarro e lê a Maria; perto do balcão, uma velhota simpática, pequenina, gorducha, de cabelo grisalho, entrançado e enrolado na nuca, com ar feliz, acompanha a netinha e olha-a embevecida a comer o bolo e a sorver um sumo por uma palhinha às cores.
Há-de haver uma televisão por ali, ou antes, um plasma. Não reparei.
Usei a civilização, como preciso e convém.
Regressei à aldeia.
3 comentários:
Escuta apenas, não digas nada.
Escuta o uivo dos lobos, a «sinfonia» das cigarras, o cantar dos galos, o ladrar dos cães, os chocalhos do gado, a voz do carteiro, os sinos da igreja e, quando poderes, tenta ouvir os ecos da cidade esse espelho facetado onde - levados pela ilusão - nos revemos magicamente favorecidos...
Mas uma coisa parece certa: "o sonho comanda a vida"...
Paulo
Gosto muito da tua maneira de falares da vida. E gostei muito que tivesses ido saber de mim. Obrigada pela ternura com que o fizeste.
Um beijo.
Gostei muito de ter visitado o teu blog. Gosto do teu tom, da tua sensibilidade.
Yemenaf
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