A graça do meu amor
Não a sei eu gosto assim
Ele a mim chama-me flor
Cuidando que sou jasmim
Passarinho meu amigo
Tu sabes de mia senhor?
Voa e leva contigo
A chave do meu amor
Nas tardes longas, cheias de luz, enquanto o calor me deixa sentar no alpendre com os meus paladinos de todas as horas, esgoto o tempo entre o colorido de meadas de linha moulinée, espólio ainda dos anos de África, nos idos cinquenta…
Das tardes de sábado passadas no colégio, enquanto os rapazes frequentavam as aulas de ginástica da Mocidade Portuguesa (meu irmão usava no uniforme um cinto de couro que tinha uma fivela de metal com um S enorme; enquanto o colocava, ia cantarolando: sou soldado socialista soviético se o Salazar soubesse suicidava-se), as meninas preparavam o futuro esperado de donas de casa, mães de família prendadas. Então lá vinha o ponto pé-de-flor (o point-arrière que me valeu uma boa repreensão por não o saber traduzir num texto intitulado Une Petite Ménagère, em que também vi «bois amarelos» em gemas de ovos – jaunes d’oeufs – tal a minha atrapalhação por não ter preparado devidamente o texto em casa!), o ponto de cadeia, o ponto de cruz, o matiz; só mais tarde o cheio e o recorte para o richelieu e as bainhas abertas.
A década seguinte foi a da quebra das amarras, com alegrias, preocupações e dor.
E visto que o saber não ocupa lugar, os pontos ficaram como a tabuada que aprendi de cor aos seis anos. O deleite pelas linhas e linhos permanece, ao longo da vida reencontrei-lhe o gosto, semearam alegria e serviram de arrimo muitas vezes, também marcaram datas.
No Minho, os «lenços de namorados» eram oferecidos pelas raparigas do campo aos seus amados, bordados por elas e com mensagens de amor, a maior parte das vezes escritas numa castiça linguagem popular. A minha filha, que estudou na FACFIL em Braga e com o Minho estabeleceu profundas ligações afectivas, bordei um dia um, hoje emoldurado orgulhosamente à entrada de sua casa.
Chegou a hora de bordar outro, para o filho que ergue o seu ninho longe, mas tem o mesmo direito ao labor da mãe. Aí está, quase pronto; falta o pior, a bainha aberta, em verde, verde, verde, que ele é de esperanças e sportinguista.
Os meus companheiros aproveitam a companhia de jardim com tarefas diferentes: um, corre atrás das borboletas, o outro faz a revista habitual e sistemática: vasculha atrás de cada agapanto a ver se descobre o novo inquilino do jardim, o Sweet, um pequenino ouriço que há dias seguidos parece ter achado este lugar aprazível. Já conhece quem pode incomodá-lo, mas logo mostrou que sabe defender-se.
Quando o encontrar a jeito tiro-lhe uma fotografia e apresento-o.
Assim ele continue por aqui.
9 comentários:
De menina prendada que sempre foste aqui está mais uma das tuas artes.
Bonito lenço dos namorados feito com amor e carinho para quem muito merece e no país onde vive deve ser uma relíquia porque é uma arte pouco conhecida. Sei que ele vai adorar.
Beijo
São Pérolas, São Perolas da Língua, São rosas do nosso Minho
Bai carta feliz buando
Nas asas de um passarinho
Cuando bires o meu amor
Dále um abraço e um veijinho Meu
Manel bai pró Brasil
Eu tamen bou no Bapor
Gardada no coração
Daque qué meu Amor
Daquele qué meu amor
corrigindo:
Bai carta feliz buando
Nas asas de um passarinho
Cuando bires o meu amor
Dále um abraço e um veijinho
Meu Manel bai pró Brasil
Eu tamen bou no Bapor
Gardada no coração
Daquele qué meu amor
Que lindo, tudo. O que sentes e dizes. E sei que, se não lembras tu os anos, os teus filhos terão a data bem presente e BEM feliz, com esta mãe... Adorei os bois, o S (que também ouvia dizer em segredo), os teus companheiros que no-los hás-de apresentar, pls... e aqui vai mais uma quadra:
"Nosso amor
hade acabar
quando esta
pomba boar"
Com abraços
Voltei porque me esqueci: não sei o nome das borboletas... a mim me parecem princesas das flores. Sempre gostei de as seguir, de pequena.
Estas são quase domesticadas, pode-se chegar o dedo, devagarinho, às antenas vigilantes: estão em criação no Jardim Botânico de Lisboa, um departamento o "Lagartagis". Por estarem assim, em estufa, tirei fotos deliciosas...
Na verdade, Oxale e Bettips, esses são realmente os poemas habituais que aparecem nos lenços do Norte; há até uma louça bastante bonita, nos hipermercados, que os referem.
Porém, dado que não temos ascendência minhota, fizemos estas duas quadras de propósito para o «Rapazito», com o carinho da irmã e da mãe.
Obrigada pelas palavras amigas.
Um abraço
Adoro esses lenços! :)
Dark kiss.
Lenços que fizeram parte de exovales dos anos 50 do século passado. Gosto.
Quanto aos poemas apenas posso dizer que, a meio da noite, há sempre a «sombra» dos poetas que nos transporta para além do horizonte meramente terreno.
Até sempre
Paulo
Já vi o lenço na "entrada da casa" da tua filha. É um espanto! E tu escreves com tanto talento e delicadeza como bordas. é um delícia ler-te. Parabéns.
L.F.
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