Penetra surdamente no reino das
palavras.
Lá estão os poemas que esperam
ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com os poemas, antes de
escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e
consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas do chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras,
cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
“Trouxeste a chave?”
Carlos Drummond Andrade
Gosto das noites lavadas outonais, quando no céu limpo as três marias se perfilam na constelação de Orion, o vento não corre e a temperatura vem ao tom do corpo. Mas em pleno inverno, depois da chuva, olhar o firmamento no possível silêncio não deixa de ser apetecível.
Há um conceito generalizado de que
todos sabem que a Terra é redonda, caminha em torno do Sol e gira sobre si
própria em torno de um eixo que é suposto saber-se imaginário. Em tempo idos,
isto aprendia-se na escola dita primária, onde havia lousas e sebentas de papel
escuro e grosseiro e um quadro negro onde se escrevia a giz. Quando havia nas
salas um globo redondo com os mares e continentes e as crianças, com alguma
relutância, aceitavam que se caminhava por cima dele e que uma força interior
feita de fogo nos prendia ao planeta e nos impedia de sairmos desgovernados por
esse firmamento além. Esse firmamento onde se alinhavam estrelas formando
constelações com nomes de bichos e seres fantásticos, que tinham a função de
orientar os navegantes quando descobriam o mundo nos caminhos do mar imenso.
Mas os tempos mudaram e tudo
aparentemente gira mais depressa que a Lua em torno da Terra e ambas em torno
do Sol, e a Terra em torno de si própria. Tão mais depressa que algo se perdeu
pelo meio, talvez as estrelas fugissem para outras galáxias inquietas pelos
satélites dos homens em volta da Terra. É que a geração que hoje frequenta a
escola, já não primária mas básica, já não conhece sebentas, menos ainda
quadros de lousa e nem sabe o que é o giz. Não tem necessidade, nem tarda não
conhecer as esferográficas ou saber desenhar as letras; elas aparecem no ecrã
do computador e é só conhecê-las e apontar com o dedo, o salto divino entre a
lousa e o IPad. Também não é preciso haver professores, afinal a internet
ensina tudo, também as estrelas e os planetas e as nuvens e os bichos ali bem
vivos, mesmo os que viveram antes dos Humanos dominarem a Terra. Também nem é
preciso ter avós, que a internet os mostra em versão actualizada nos Lares de
Terceira Idade, sem outras competências para além de serem pesados ao Estado e
aos filhos.
A economia, o individualismo, o
pragmatismo, o desenraizamento, a soberba, a ignorância dominam o mundo actual.
Não há lugar para os poetas, para os avós, para os humanistas. Não há espaço
para o silêncio, para ouvir o apelo das Palavas.
2 comentários:
... e no entanto, a "Terra move-se" no seu ritmo.
assim amadureçam os frutos das sementes/palavras que aqui deixas...
Gostei muito de dolência com começa
todas estas viagens, mas admiro que
elas nos levem a um protesto linear
e lúcido
João
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