sábado, novembro 17, 2012

CAMINHOS



A nossa única liberdade está em escolher entre a amargura e o prazer. Como o que fatalmente nos cabe é a insignificância, há que não a transportar como uma tara, mas que saber gozar com ela.

Milan Kundera in «A Identidade»

 
Li algures que escrever – como amar – é um propósito de vida, simplesmente, justamente, porque não se sabe o fim do caminho. E depois de encetado esse caminho, não se pode continuar a andar como se nada tivesse acontecido, como se nunca tivéssemos palmilhado essa vereda.

Aliás, viver também é assim. Sem nos darmos conta, os anos passam e a gente cresce querendo sempre ir mais depressa, percorrendo, somando caminhos, amplificando olhares, e numa dada altura, quando já somos crescidos, olhamos para trás e descobrimos tanta coisa que ficou por fazer, tanta coisa que não vimos bem, tanta outra coisa em que gastámos inutilmente energias. Já não se tem tempo para refazer, já não há sequer o que refazer, o que rever, mas há o tempo que nos resta que é mais precioso porque mais escolhido, os passos são mais cuidados, temos a segurança do caminho já percorrido e a certeza do fim da estrada no momento certo.

Tudo passa na voracidade do pensamento, a consciência a alisar os caminhos, a varrer da memória para o esquecimento todos os ressaltos, levando os escolhos e com eles o ouro misturado, as pepitas mais tarde recolhidas após a lavagem dos anos. Escrever é dizer tudo isso e assim partilhar também os nossos medos, o medo da solidão, o medo do abandono, o medo da dor, o medo enfim da morte, o dessossego do que está para além dela. Escrever é preencher o tempo que nos resta com qualidade de espírito, dividindo com os outros o que ficou para trás no caminho percorrido, uns sobre estrada firme, ruas asfaltadas, avenidas largas, outros ruas sombrias, becos de violência, humilhação e sofrimento, outros ainda navegantes eternos das areias ou simples caminhantes pisando sendas estreitas de capim derrubado nas margens dos rios, nas matas, nas florestas.

Escrever é assim uma forma de prazer que pode ser dor, uma forma de amar o mundo e os outros.


2 comentários:

Manuel Veiga disse...

e ler-(te) uma gratificante partilha de amor à vida e ao Mundo...

beijo

Justine disse...

Ler pode ser quase a mesma coisa!