Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos
Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências,
vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes
as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou
o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais,
como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores,
supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades
universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o
descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso dos
costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias,
vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda
de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o
vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.
Padre António Vieira, in “Sermões”
A nossa
crise espelha-se com toda a sua crueza no lago das mais de 300 mil pessoas que
encheram Fátima nas recentes celebrações do aparecimento da Virgem há
precisamente 95 anos, quando os ideais do comunismo incendiavam, assombravam,
ensombravam o mundo de então.
A Senhora de
Luz mandou que se rezasse o terço para erradicar esse mal que grassava na
Rússia, é o que a minha memória de menina guardou do meado do século que
passou. Não tenho a certeza da veracidade dessa mensagem, mas tenho a certeza
de que a fé em qualquer coisa, a necessidade do ser humano em acreditar, apenas
acreditar, tem uma força sem tamanho. Mesmo para os não católicos, os não
religiosos, os não crentes em acontecimentos que transcendem a razão, as
imagens dos milhares de velas acesas na noite, dos lenços brancos acenando,
provocam emoção, fazem assomar mais água aos olhos.
Milhares de
pessoas palmilharam – alguns o fazem repetidamente em cada ano – centenas de
quilómetros a pé, sem sucumbir ao calor, à chuva, ao cansaço, ao peso da idade,
alguns tendo como alimento apenas pão e água. À chegada, lágrimas de emoção em
todos os rostos, apenas por terem conseguido chegar ali. E nem quero referir as
imagens (degradantes) dos que se arrastam de joelhos sobre a passadeira, sem
pensar no corpo dorido e rasgado, só a alma entregue à sua fé sem limite.
Então a voz
de um qualquer cardeal italiano se ergue dizendo claramente que o povo
português não tem alma, só tem corpo, mãos limpas dentro do bolso, e essa voz
exorta os presentes a ajudar os seus irmãos, como manda o preceito divino.
Trinta e uma
mil toneladas de velas mais as esmolas que este povo tira à boca são dadas (com
a mão nos bolsos?) com o corpo, bem sabe o senhor cardeal, só não sabe (ou
sabe?) que a alma deste povo é demasiado grande, tão grande que tapa os olhos
para não ver o caminho que leva o produto desses fartos proventos.
É esta
Igreja que apaga a religião.
E esta
Igreja que não ensina, que não conduz, que não ajuda.
É esta Igreja
sobre a qual impendem alguns pecados mortais que me eximo referir.
3 comentários:
A Igreja manipula as pessoas, humilha os crentes e desrespeita os não-crentes. A Igreja trouxe e continua a trazer ao mundo mais mal que bem.
Contudo, como é pungente a multidão que caminha por fé...
Abraço
tempos de cegueira. dizes bem...
gostei muito deste teu texto "heretico". quase me apetece roubar-to rss
beijo
Assombrado com esta certeira convo-
cação de António Vieira para olhar-
mos a sério toda a depravação huma-
na e as leis divinas que o homem inventa, a par da cegueira que leva tantos Sísifos a Fátima pagar dívidas que não são suas. Peçam juros de dor a quem disse que veio para nos salvar e à Igreja que fez nações arrendadas, Cruzadas e a Santa Inquisição.
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