Para ser grande, sê inteiro: nada
teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
brilha, porque alta vive.
Fernando Pessoa
Conta-se pela Net uma história passada na Noruega, onde um empregado, ao inspeccionar uma câmara frigorífica ao fim do dia, não evitou que a porta se fechasse e ele ficasse preso dentro dela. Ninguém ali voltaria antes do dia seguinte, pelo que a morte o esperava naquela câmara frigorífica. Porém o vigilante da empresa foi resgatá-lo a tempo. Ao ser-lhe perguntada a razão de ter ido abrir a câmara de frio, o que não fazia parte das funções que lhe eram atribuídas, ele explicou: «Trabalho nesta empresa há 35 anos e, de entre as centenas de empregados entram e saem aqui todos os dias, é o único que me cumprimenta ao chegar e se despede quando sai. Esta manhã corrrespondi à sua saudação, mas não dei por que saísse e estranhei. Por isso o procurei, imaginando que pudesse ter acontecido alguma coisa de anormal.»
Vem isto a propósito de me ter chegado às mãos um livro de uma senhora australiana que tem por título «As Boas Maneiras Ainda São Importantes?» Ela questiona precisamente a oportunidade de se observarem e cultivarem as boas maneiras na actual conjuntura da falta de tempo que assola as populações na vida moderna. A autora faz um périplo por momentos marcantes da história do homem: o primeiro aperto de mão dos primitivos num sinal de que não tinham armas, o tempo de Péricles e a importância da cultura e boas maneiras para a aprovação geral entre pares dentro da comunidade ateniense por oposição à bélica cultura espartana, a imposição de normas de etiqueta na corte de Versailles ao tempo de Louis XIV, refere a utilidade das ordens religiosas na formação do auto controlo do indivíduo ao longo dos tempos.
Com propriedade, a autora conclui que a falta de educação se vai colmatando com leis. Leis cada vez mais restritivas, impostas, redutoras de liberdade, leis essas que não são aplicadas, não são aplicáveis e por isso acabam por diminuir o poder e a reputação da Lei, como tal. Tudo seria mais fácil se os gestos fossem naturalmente generosos em observação de simples normas de educação.
É afinal globalizado este sentimento de falta de educação que se vai institucionalizando em nome da modernidade, da falta de tempo, do trabalho, do afã do dinheiro, das férias, da ocupação de todos os momentos da existência em coisas ditas úteis e inadiáveis. Sem tempo para a paz, para pensar, para olhar, para sentir. Sem tempo para a comunidade, para a solidariedade, para simplesmente descansar. Porque a vida é tão longa.