sexta-feira, março 25, 2011

Flor de Sombra

Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.



Fiama Hasse Pais Brandão



A ameixoeira floriu. Foi o sol, o calor, o seu tempo de repouso chegando ao fim, chegando a dizer da primavera, a lembrar a fruta nova que o verão traz consigo no ventre.


Já se ouve o melro em toadas nos dias mais quentes, os passarinhos novos procurando lugar para os ninhos nas roseiras que se cobrem de folhagem brilhante e fecham o gradeamento.


Mas a floração é breve, breve a brancura porque as folhas despontam e a pureza foi-se.


Assim tudo se repete, uma a e outra vez, quantas primaveras, quantas folhas caídas, quantos anseios, ternuras, abraços e logo depois a lonjura a separar os continentes, as vidas.


Quero ainda acreditar no amor como um direito à vida mas os anos marcam o pensamento e creio no amor como um dever dela para que os mundos se repitam, não um amor de exaltação mas um amor de beatitude que contém a lucidez para suportar a rigidez do inverno, a falta de folhas nos troncos retorcidos, a seiva correndo com força por dentro, cada vez mais densa, cada vez mais dependente das raízes fundas, a encontrar nelas alimento novo.


Mais uma flor abriu. Há-de ser uma violeta.

4 comentários:

Nilson Barcelli disse...

O poema é bonito, mas gostei especialmente do teu texto.
"...O amor como um direito à vida...". Brilhante parágrafo.
Boa semana.
Beijos.

Manuel Veiga disse...

(pre)sente-se discreta violeta abrindo-se em beatude de florir.

que a aragem primaveril espalha em redor. com seu delicado perfume...

belíssimo texto.

beijo

Justine disse...

A segurança dos ciclos da natureza, o amor como semente e raiz de vida, mesmo que seja um amor lúcido!

Rocha de Sousa disse...

Que a vida é ciclicamente renovada e até transformada após dilúvios e
catástrofes planetárias, acho que sim.Até talvez se esteja a cumprir mais um Ciclo. As flores abrem e morrem, a Primavera dá-nos esperan-
ça e acaba-se com uma dor de ama
Não sei o que é que o amor tem a
ver co isto: talvezconsista apenas
nos contentamentos de certos alvo-
receres.