Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Eugénio de Andrade
O sol chegou pela manhã a dar um ar de sua graça, mas não chegou para acender a Primavera.
Não a dos calendários, mas da natureza a encher os campos rasos de branco e amarelo, a abrir as magnólias antes do verde cobrir as árvores. Ainda é cedo. Por agora só o sorriso das camélias, esplêndido e breve como Marguerite Gautier, logo escurecidas pela humidade.
Os pombos passam, pesados, em grupos, o pisco cumprimenta de longe, o melro esconde-se nas madrugadas.
Mas a Terra gira sem detença em dois tons de volta, rotação e translacção, eu ainda sem acertar a órbita das palavras escritas como ditas, rasantes, sem consoantes escondidas a lembrar os ancestrais, as origens clássicas, mortas há tantos séculos!
O ano novo custou a abrir. Não sei se da chuva, se dos dias curtos, bisonhos, se do frio, se da falta das flores e dos bichos e da gente que eu amo e sinto longe. Se dos livros que não leio, se das palavras que não assomam aos dedos. Se das nozes que vão sobrando e dos dentes que vão faltando.
Há dias assim, mas logo passam, como passam os sonhos, como passa a vida.
Às vezes devagarzinho.
3 comentários:
Que nostalgia, Jawaa. Mas uma nostalgia doce, muito bela.
Há dias assim, mas logo passam. Tu o dizes, então que assim seja:))
rendilhado de palavras belas. onde a nostalgia se imiscui...
... e as nozes se fazem vozes!
beijos
Às vezes a vida é tão melancólica, não é? Mas tão bonita assim dita por ti!
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