São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
Gonçalves Dias
Na minha comunidade, o meu clã familiar da Web, pede-se «briga» esta semana. Perto do Natal, quando se fala de solidariedade nem sempre cumprida, ou não cumprida simplesmente, ou cumprida por coacção, para proveito maior dos que menos necessitam (estou a falar obviamente das grandes empresas que aproveitam a época para auferirem lucros, descontos nos impostos, em nome dos necessitados – vá lá, sempre ajudam afinal! – com o dinheiro dos outros, o dinheiro que muitos nem têm), foi complicado encontrar a foto desejada para enviar.
Para cumprir o meu dever de briga a preceito, precisava de ter a máquina a postos naquele momento certo, que é curto e breve. Não acontece, é claro, o tempo e a lembrança dela fogem, no mesmo tempo que sorrio e me espanto. Eu conto:
Na aldeia onde moro há gatos, como não podia deixar de ser. Há gatos e gatos. Há a gataria de bairro, que é livre e vadia, que briga e que grita pelas noites de cio, saltando telhados e muros em disputas de liderança a deixar marcas fundas de carnes rasgadas e olhos sem ver, antes ainda do inverno abalar. São malhados, coloridos, misturados de pêlos curtos e longos, esquivos, esguios, fariam um belo desfile de moda.
Depois há os outros gatos, os bem nascidos, os bem criados, pelo menos. Não são gatos nobres, siameses ou persas ou de outra estirpe de nobreza, mas são castrados, usam gravata ao pescoço, pêlo brilhante e bem escovado. Boa comida, bom trato, fazem deles uns burgueses bonacheirões. Nas redondezas há o Kido, o Mashroom, o Chatgris e um outro ainda novo, parece acabado de sair chamuscado de alguma lareira, coleira vermelha, brilhante, que se fica pelo telhado do alpendre a «ver as vistas», não vá o diabo tecê-las. Convivem aqui pelos quintais, visitam-se, andam aos pássaros, às lagartixas, correm para dentro de casa a qualquer ruído anormal, de mais decibéis.
Pois há uns tempos, alguém abandonou por aqui uma gata listrada, uma tigresa linda, muito magra e ferida. Esquiva, assustada, foi ficando por onde lhe davam de comer e os meus vizinhos adoptaram-na, mas mora no quintal. Sabe bem quando eu saio a porta da cozinha, e logo salta o muro a pedir uma festa com uns olhos verdes de perder a cabeça. Quando não há Chatgris, bem entendido.
Porque nenhum dos senhores burgueses a suporta: arqueiam o corpo, alteiam a cauda, crescem os pêlos e sopram. Qualquer deles o faz, nunca tinha visto antes.
Ela simplesmente desaparece.
5 comentários:
Ai Jawaa, que olhar irresistível!
E tão parecida com o Mounty! Mas ele é um desses burgueses que não admite visitas no seu território:))
E assim "fotografaste" muito bem o tema desta semana!
Boas Festas:))
Foi para mim um deslumbramento ler
esta crónica que arrasa a negociata
dos basares burgueses e «desce» ao
mundo dos gatos, numa primeira man-cha painel de bichos inimagináveis,
uma plebe que Alberti gostaria de enquadrar.
Depois os outros, beneficiários de
bens burgueses, lustrosos e orna-
mentados, manhosos como gente, com medos dos ruídos imensos.
E a gata abandonada. Abandonando-se. Deixando adoptar-se. Vivendo ali no quintal e sabendo muito bem
quando jawaa aparece, não a pedir briga mas mansamente carente de uma
mão maternal para lamber.
Excepcional
Ando tão afastada destes teus textos tão bonitos que me mereceriam mais atenção...
Deixo aqui os meus desejos de um Natal e um 2011 cheio de coisas boas. Espero ser mais assídua no novo ano.
Um beijinho
Tudo quanto de Saúde, Paz e Sabedoria a Vida possa proporcionar.
Da minha parte a Amizade e a Gratidão pela companhia ao longo de todo este tempo.
Abraço amigo do,
tintapermanente
Feliz Natal e Boas Festas!
Beijinho.
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