Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Obra Poética”
Já não vou ao mar. Já só a areia me afaga os pés numa carícia morna, o olhar preso na onda breve que se chega de manso na maré vazia, quando o sol cruza menos alto a esfera azul que nos cobre.
Porém o mar é o mundo em que ainda mergulho inconsciente, tudo o que me atrai e assusta, dentro de cada onda quebrada um pedaço do que sou, rolada em caracol na areia mansa, espalmada contra o corpo da praia, a desmaiar em espuma com o calor da terra. Já antes o mar cresceu e rugiu nas pedras, os ventos colheram salpicos de sal trazidos do mar alto em vagas rugindo cavalgadas de esperança, já a preia-mar cobriu as pedras irisadas, as conchas coloridas, já desfez os castelos de areia, subindo devagar, uma e outra vez até desfazer e alisar de novo a areia na praia.
A rebentação das ondas é o lugar de todos os acontecimentos, tão breve no tempo e tão forte, tão intensa, tão múltipla e fecunda depois da caminhada longa e poderosa pelos oceanos, que a sua explosão é um prazer de deuses. Poderia ficar ali, eternamente a olhar, a contar as ondas, uma atrás da outra, a vê-las espojar-se na areia e rolar-se e de novo encrespar-se e atirar-se nos rochedos.
Já não é tempo de ver a noite chegar, quente, só ouvir o mar e as reverberações que se misturam ao infinito do mundo estelar, o espaço é outro. O Outono das zonas temperadas arrasta um pincel de cores sem nome por sobre as árvores em volta, arrasta as folhas mortas cobrindo o chão de outra beleza, mais calma e mais doce.
São os caminhos do tempo.