O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as dores que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
Na dor lida sentem bem,
Não as dores que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Na quietude da noite ergue-se um canto negro de rouquidão e angústia, um soar de medo como o desabar de terras no estremecer do terramoto. Como as sirenes avisam o perigo eminente, há uma luz de farol intermitente que não pára nos caminhos da razão quando o coração se esboroa de ternura ao mesmo tempo que arde em convulsões.
Para quando o fragor sentido algures, aquele mar em sobressalto, lá em baixo, longe, ondeando e encrespando-se ao vento em cristas de espuma branca alongando-se, espreguiçando-se sobre as águas a um tempo temidas e desejadas? Para quando a tempestade, o mar subindo e batendo em fúria na rocha? O som do mar. No fim de tarde quente. Na noite soando manso e aquietando-se depois em carícias doces subindo a areia da praia.
Os sonhos semeiam-se e florescem em cachos de glicínias, em tufos de hortenses, em buganvílias sangrentas, em campos de papoilas brancas também. Em malmequeres pequeníssimos cobrindo o chão de amarelo pelas primaveras abrindo.
Contento-me de ser a terra escura e fértil.
4 comentários:
por vezes as tempestades libertam...
texto harmonioso e tenso. como cordas de um violino
vibrante.
beijos
Sinto a angústia de partir e a dor
que Pessoa fingia acabdo por senti-
la.
Vejo a tempestade ultrapasada e salto para elém das nuvens, onde a
percepção se esvazia, demdo preciso
recorrer à memória das coisas que
nos vão habitar saudades, no con-
fronto com o desejo de abraçar ou-
tra verdade entre altitudes e dis-
tâncias.
Vejo a aproximação ao gosto pelas
flores, papoilas brancas, e a es-
terança renovaa porque, ali em bai-
xo a terra continua escura e fecun-
da.
Não está longe, o fragor da raiva, a tempestade libertadora! Porque o coração não pode estar mais estilhaçado e a razão mais humilhada...
Beijo
Mais um texto-desabafo poéticamente escrito!
Inquietante!
Beijos =)
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