O primeiro leitor da carta foi o secretário de estado pêro de alcáçova carneiro que a entregou ao rei, ao mesmo tempo que dizia, Morreu salomão, meu senhor. Dom joão terceiro fez um gesto de surpresa e uma sombra de mágoa cobriu-lhe o rosto. Mande chamar a rainha, disse. Dona catarina não tardou, como se adivinhasse que a carta trazia notícias que lhe interessavam, talvez um nascimento, talvez uma boda. Nascimento e boda não deveriam ser, a cara do marido contava outra história. Dom João terceiro murmurou, Diz aqui o primo maximiliano que o salomão. A rainha não o deixou acabar, Não quero saber, gritou, não quero saber. E correu a encerrar-se na sua câmara, onde chorou todo o resto do dia.
José Saramago in «A Viagem do Elefante»
Apagou-se uma voz.
Nem sempre a mais amada pelos seus pares, pelos leitores mais conservadores, apreciadores de uma escrita melodiosa que ele não dominava. Nem quereria, quem sabe. A mensagem que tinha para divulgar passou-a sobre todos os outros, foi ele o escolhido, foi ele quem trouxe para a Língua Portuguesa o primeiro Prémio Nobel de Literatura.
Oriundo de famílias humildes, nunca escondeu a sua origem, antes adoptando como sobrenome um apelido que o ligava a ela indissoluvelmente. Foi coerente com os seus ideais, sempre de olhar crítico e duro sobre a sociedade onde subiu a pulso, riscando a direito, sem ouvir outros sons. Assim se isolou em Lanzarote, cercado de pedras e mar, suavizado por Pilar, a mulher que lhe deu vida quando a vida começou a faltar.
Estou de luto. Calou-se mais uma voz nas Letras portuguesas.
4 comentários:
Facebook O Bar do Ossian.
Beijinhos.
"A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam" - J. Saramago
comovente homenagem. a tua.
beijos
Esgotaram-se as palavras. Em silêncio, guardo a voz que conheço de perto.
Ainda que atrasada a minha vinda aqui, aprecio esta homenagem sentida que lhe fizeste. Ficam os livros, podemos relê-los, felizmente.
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