Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
Não quererei mais nada.
Que me pode o destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
Entre ignorâncias destas?
Sábio deveras o que não procura,
Que, procurando, achara o abismo em tudo
E a dúvida em si mesmo…
Ricardo Reis
Os livros escrevem-se em conversas íntimas, as memórias aflorando os sentidos por cada sopro de vento que anuncia a chuva e se recebe no rosto com volúpia. Lembrar de imediato que não há temor do raio que pode riscar o céu, da trovoada que atroa em seguida e transporta o medo e faz correr para o abrigo da casa. Não. É a chuva ansiada e apenas isso, a campainha que soa lá dentro, dizendo das castanhas apetecidas, já prontas.
Nada é eterno, nem a saudade.
Chega em revoadas, como bandos de pássaros num céu limpo de primavera. Vem em ondas incertas, mudando de tom, de direcção, invadindo-nos o espaço e quebrando a solidão com chilreios insistentes quando pousam nas árvores em volta. É uma sensação indefinível pelo peso que tem de alegria e inquietação, desconcerto, uma visitação que chega a trazer cheiros e cores, tudo tão breve e feérico e ao mesmo tempo tão real que magoa, uma dor fininha perdida no corpo, na mente.
E o bando levanta voo, efusivo, rápido, envolve-nos na despedida e em breve não se distingue senão a mancha ondeante, nem houve tempo para um toque, um afago, não houve sequer palavras. Foi um adejar de borboleta. Foi aquele arco colorido no céu a dizer adeus da chuva que passou.
É agora a quietude que regressa com sabor de paz, deixando aquele aperto cá dentro como o passarinho triste do Zezé, do Pé de Laranja-Lima.
E não é preciso ser criança, para senti-lo calado no peito, preso, sem vontade de cantar.
3 comentários:
É certo, nem a saudade é eterna. Em
boa verdade, nem o universo que talvez faça parte de uns simples grãos de pó de outros universos em
redor. Se a vida de alguém que nos é querido, gente ou bicho, flores até, soçobra num sonho, num sono,
num breve frio letal, então tere-
mos de nos perguntar porquê. E às
vezes é só um susto, ao amanhecer.
são momentos. de glória!
desperdiçados... como chuva em deserto!
vibrante. pressente-se o esvanescer da brisa.
Tão nostálgico e simultaneamente tão fulgurante, o teu texto!
Beijo
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