«Il me faut retrouver le seul territoire salutaire, mon seul refuge, l’écriture. Il me faut le transporter, hors d’atteinte du hasard, hors des avatars de ses rencontres. Il me faut lentement y égrener mes pensées, pour leur éviter de tomber dans l’à-pic vertigineux de l’angoisse. Alors seulement, mes rêves pourront être sereins.»
Malika Mokeddem
A chuva caindo devagar, os beirais soando na noite, trazem até mim os rostos que me adoçaram a infância. A face escura do meu Velhote, enrugado pelo sorriso permanente, os olhos perdidos nas pregas fundas, os dedos tamborilando a tigela de esmalte azul debruada a um tom mais escuro, branca por dentro. «Ca senhora catito» (minha senhora pequenina) era o seu bom dia para mim em cada manhã na fazenda.
E eu aprendi a sorrir com ele.
A tigela era o convite para irmos buscar juntos ao armazém as batatas para o almoço, à horta as cenouras e os nabos, a hortaliça para a sopa. Colher os morangos, depois. Vejo ainda nas suas mãos um rolo de folhas de couve muito apertadas e, com uma faca longa e fina, afiadíssima na pedra ao lado da vala, cortá-las para o caldo verde, a minha única sopa desejada, servida fumegante e regada – já no prato – com azeite.
Olho o céu pesado que me afaga e parece que a noite nasce da escuridão daquele rosto sempre doce, como um manancial de quietude e generosidade. Tantos anos volvidos depois que o perdi, tantas vezes recordado pelo carinho de nós, pela dedicação a minha mãe, pelo mimo de ensinar-me a comer por sua mão, no seu braço, entre as laranjeiras do quintal.
Choro a dor de não os ter por perto, os tais rostos de quem não recordo mais que ternura e humildade, riso e bonomia. Tenho hoje a certeza que velam por mim onde quer que estejam, são eles a força que me faz sentir única e exalam aquele desejo morno de regressar, em cinzas, um dia.
5 comentários:
Maravilhosa a tua memória que me comoveu profundamente. Lindíssimo! Muitos beijos.
Bom demais olhar e ver essas lembranças nostálgicas.
Gosto muito de sua literatura.
Abraços afetuosos \o/
«Il faut retrouver le territoire sa-
lutaire, mon refuge, l'écriture (...)
Alors seulement, mes rêves pourrant être sereins».
É essa a serenidade que procurava e que parece agora reflectir-se no seu belo texto onde abraça belas memórias contra o esquecimento?
A chuva, apesar de triste, tem o mé-
rito, muitas vezes, de nos lavar a
alma.
Crepitante de nostalgia e ternura, este teu desenrolar de memórias. Como os pingos de chuva que o fez nascer, fresco e cintilante. Belo.
Tão bonito! Tão bonito!
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