sexta-feira, junho 19, 2009

Património


À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...

E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!


Florbela Espanca





Nem sempre as manhãs são claras e besuntadas de sol polvilhado a rosas. Amanhecem preguiçosas dentro de lençóis de bruma, pesadas de edredons de nuvens com promessas da chuva que não cai. Ao calor do dia que cresce junta-se, não o som da chuva, mas duma escavadora que em breve tempo derruba dois magníficos pinheiros com largas décadas que ninguém de bom senso desdenharia ver muros adentro de sua casa.


Tenho amor pelas árvores, mais ainda do que pelas flores, ou diferente, talvez. As árvores frondosas foram sempre o lugar de repouso, a sombra desejada no meio da anhara, a chana da minha infância no outro continente. Um pouco a Mais-velha africana, aquela que protege e que cria e que se dá até ao fim, que oferece o peito aos netos ainda que o leite não corra. A árvore carcomida pelo tempo mas que ainda dá lugar aos ninhos das águias e guarda dentro do tronco as crias de animais e pássaros. Enquanto desenhada no céu, alta e ramosa, conversando com os ventos, soltando chilreios, é um ser que nos faz companhia, que sabemos ali todas as manhãs, símbolo de fidelidade, de firmeza, de paz.


Em Portugal acorda-se lentamente, demasiado lentamente para a necessidade de se proteger as árvores características da região que habitamos, para a urgência de se dissuadir firmemente o plantio de espécies nocivas, quando sabemos o caminho da desertificação anunciada. Mas alguns passos vão sendo dados, e o sobreiro foi, finalmente, declarado espécie protegida. Parece ser elevada a quantia a pagar perante o abate de um sobreiro, e a educação do povo faz-se muitas vezes de forma menos própria, pela única maneira de compreensão imediata: a multa.


Ráspartaopatrimónio! - comentava o trabalhador à hora em que eu registava estas imagens, deleitada, a mirar aquele vaso grande com um sobreiro dentro; e entristecida, pelos pinheiros jazendo ali ao lado, quando poderiam ter-se mantido altivos e belos a proteger e a embelezar o jardim da casa nova.





6 comentários:

Rocha de Sousa disse...

O soneto de Florbela Espanca foi muito bem escolhido. E ainda há quem não ouça os lamentos dos mor-
tos ao olharem a «raiz morta de se-
de sob a terra». Essa gente nunca cheirou o descasque da cortiça, a cortiça nova, sangrando como um recem-nascido, cheiro acre,gemido
da torção da prancha que cumpriu
o seu ciclo de nove anos.
Bom texto, amiga, como uma balada
pelas árvores e pelas flores, um património que tem de ser renovado, sem mais nocividades
e parvos encartados a «debulharem»
numa tarde 800 sobreiros. Esta é uma das árvores nobres, de longa vida e muita produção, e se morrem
ficam de pé, com pássaros, como essa grande senhora lá da sua terra
e das raizes que trouxe na sua arca
da memória.
É nestas alturas que mais lembro o
meu pai e o respeito que ele tinha,
ao comprar uma carrada de cortiça,
pela idade de cada prancha.Porque é
uma coisa que se vê e se respira.

Manuel Veiga disse...

por vezes as "árvores (não) morrem de pé"!...

excelente. e amorável texto...

beijo

Rafael Almeida Teixeira disse...

Fazendo leitura das duas primeiras fotos desse post, vi que o símbolo de sete cores liga uma árvore a outra.

Também tenho mais amor pelas árvores. Na frente de minha casa tem flores e uma pequena árvore. (ontem eu a podei)
No quintal de minha casa tem mais arvores.
Lendo teu post, lembrei-me do passado feio no qual os portugueses de outrora aniquilou grande parte da mata do meu Brasil. Do pau extraído restou lembranças e o nome Brasil.

Abraços afetuosos.

Nilson Barcelli disse...

Querida amiga, achei este post magnífico.
Pelo poema que escolheste, que cria o ambiente para o excelente texto que escreveste, e pela "reportagem forográfica" que fizeste para que conste...

Parece impossível, mas ainda não estamos cientes da necessidade de proteger as coisas boas da natureza, que ao fim e ao cabo também nos protegem. Da desertificação e outros males que paulatinamente cada vez mais nos assolam.

Um bom resto de semana para ti.
Beijo.

pianistaboxeador21 disse...

Muito bom!!! Gostei muito, além da idéia das árvores, das imagens criadas como por exemplo aquela em que as nuvens são remetidas aos edredons.

E a epígrafe foi bem acertada, como sempre.

Beijos.

Manuel Veiga disse...

beijo