quarta-feira, junho 10, 2009

Dia de Camões



A medida do mundo e das coisas tem o tamanho do nosso olhar.


Mas olhar não é só o que entra pelas janelas brilhantes que escondemos sob as pálpebras, quantas vezes cerradas para regalo do ouvido, do tacto, quantas vezes apertadas por medos. Também olha quem perde a visão.


A escrita é um olhar pousado e guardado na doçura do papel que manuseamos com ternura, sentindo já a saudade do cheiro da tinta, esquecido na voragem do progresso, desenhando letras como quem acaricia o rosto que se ama. Para não perder o gesto.


E para não perder o gesto e o gosto, há que voltar o olhar para quem nos desvendou os mundos que não conhecíamos, mundo de aventuras e fantasias e mágoas de alma. Do tempo em que decorávamos os versos de Camões e acreditávamos num Portugal maior.


Deixo aos outros a comemoração do Dia de Portugal e das Comunidades.

Eu recordo a meu modo o Dia de Camões.


Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Espedindo no rústico raminho.
O cruel caçador (que do caminho
Se vem calado e manso desviando),
Na pronta vista a seta endereitando,
Lhe dá no Estígio lago eterno ninho.
Destarte o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o Frecheiro cego me esperava,
Pera que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.

Luís Vaz de Camões


4 comentários:

bettips disse...

Sinto o mesmo, querida amiga.
Não tenho vergonha de dizer que prefiro o Camões às "comunidades" que se fazem a martelo, como as 17 ou 7 ou lá o que é, maravilhas.
(namorei com um angolano há mais de 40 anos...)
O que estudamos - saltado o canto XIX.
Fotos maravilhosas, sentir agudo e acre, como a lucidez nos transtorna.
Bjinho

bettips disse...

Bolas, canto NONO que já me enganei nos pauzinhos...
Vai e fica bem.

Rocha de Sousa disse...

Revejo-me nesta sua belíssima e
lúcida mensagem sobre o dia de Camões. Só um pragmatismo da economia mais corrente poderia geminar Camões a outras coisas bem
diferentes. A diáspora merece
certamente um dia das comunidades.
Camões não está só aí, nem mesmo
apenas em Portugal. A sua força
universal passa para além dos dias
e dos próprios «Lusíadas». A sua
lírica não tem atropelos nacionais
nem «operáticos».

Manuel Veiga disse...

também eu prefiro esse Luis Vaz. "passarinheiro"...

beijo