quarta-feira, dezembro 24, 2008

Feliz Natal

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastouEsse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga


O sol corre baixo no alpendre, rasando o grelhador que espreita por entre os troncos das roseiras já sem folhas, braços esqueléticos oferecidos à geada das noites longas.
Assim manda o tempo de Natal, os dias curtos para dar de comer ao gado, para cuidar das couves para a Consoada, para os doces de abóbora e as filhós. O termómetro sobe e marca mais baixo a humidade; o casal idoso da casa defronte inicia o passeio curto, que permitem as suas pernas alquebradas pelo reumatismo de tantos invernos já contados. Na cidade, a preocupação é outra: as compras, os presentes, os enfeites para a árvore, as luzes, as bolas de cores brilhantes, as roupas para estrear.
As datas são o esteio dos homens na procura e marca da sua identidade. A Natividade, festejada em Dezembro ou Janeiro, celebra a família cristã e a dádiva, simples partilha do que cada um pode dispensar do que tem, sem ostentação. Os Reis Magos, porque reis, trouxeram ouro, incenso e mirra e à manjedoura; os pastores, ofertas humildes de mel e frutos para o Menino.
Este Natal aparece-me marcado por duas mulheres que interpretam o Natal à luz de uma tonalidade que me fere os olhos, tal a intensidade com que me chegou. Uma delas é senhora de um reino de fadas que resiste e persiste, tendo a seu serviço na casa quatro centenas de empregados. Passando uma imagem de rigor e respeito pela crise que assola o seu reino, esqueceu a necessidade de ajuda ao consumo interno e mandou que se comprassem as ofertas, para os seus estimados súbditos, na China, onde o trabalho de crianças possibilita a preservação da sua assinalável fortuna pessoal. A outra cumpre judiciosamente o seu dever na Magistratura num outro reino que é o nosso e retira o direito ao Natal em família a uma menina de seis anos, entregando-a sinistramente a um desconhecido.
Hoje vou ajudar a acender a fogueira. Vou ajudar a manter o fogo pela noite adentro. Vou escutar o que me diz a sabedoria das chamas.

Feliz Noite de Natal!

4 comentários:

joão marinheiro disse...

hoje passei a desejar resto de optimo natal.
Abraço com mar em fundo

Conceição Bernardino disse...

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
(Fernando Pessoa)
Venho desejar um Feliz Ano Novo e dizer que no ano de 2009 estarei mais presente no teu Blog.
Conceição Bernardino

andorinha disse...

Continua a escutar a sabedoria das chamas...

:)

Beijinho.

dona tela disse...

Boas entradas para si.