Pior do que a desactivação da economia, parece-me bem mais grave a «desactivação da acção» nas escolas. O que a seguir transcrevo dá uma ideia correcta (mas não completa) do caos que se instalou actualmente numa classe (já de si oriunda de educações diversas) em que vencer passou a ser sinónimo de empurrar o colega mais próximo para poder saltar o muro. É de tal monta o esforço feito para chegar à frente ou para tão só não sucumbir, que os alunos deixaram de ser o principal objectivo da presença na escola, já nem falo da sua aprendizagem que todos sabemos ser o menos importante.
«…o português voltou à inércia e à passividade face às transformações inelutáveis que abalaram a sua existência como um destino. A esse estado de espírito acrescentou-se recentemente um processo de interiorização do novo modo de vida a que a modernização o vai condenando. Um grupo social tornou-se emblemático desta conjuntura: o dos professores.
A sua situação não mudou. Justificaria ainda a saída à rua de 100 mil pessoas. Mas, precisamente, uma tal manifestação seria hoje impensável. O Governo e a ME ganharam. Os espíritos estão parcialmente domados. Quebrou-se-lhe a espinha, juntando ao desespero anterior, um desespero maior. O ambiente das escolas é agora de ansiedade, com a corrida ao cumprimento das centenas de regulamentações que desabam todos os dias do Ministério para os docentes lerem, interpretarem e aplicarem. Uma burocracia inimaginável, que devora as horas dos professores, em aflição constante para conciliar com uma vida privada cada vez mais residual e mesmo com a preparação das lições, em desnorte com as novas normas (tal professor de filosofia a dar aulas de «baby sitting» em cursos profissionalizantes) – tudo isso sob a ameaça da despromoção e do resultado da avaliação que pode terminar no desemprego.
[…] No processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da Educação representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento, e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz, “a desactivação da acção”. É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica política, à maneira de certos processos psicóticos.»
José Gil in «Visão»
12 comentários:
:)
(o miau cá de casa também queria que eu tivesse outro emprego...)
É isso mesmo, uma castração!
E só daqui a alguns anos é que vamos ver, na sociedade, as reais consequências desta política. Tudo isto é assustador...
alterando uma vírgula aqui, outra acolá, certamente o quadro não difere do que se vê por cá (Brasil)... infelizmente, "globalização" também é isso...
há-de se resistir, sempre!
um abraço fraterno e solidário.
A situação dos professores, com es-
ta oportuna transrição, leva-nos a reativar a nossa indignação, legí-
tima,embora submergindo a clareza
do nosso sentido crítico. Por es- tranho que pareça, desde a refroma
de Veiga Simão e da radical detrui-
ção das Escolas Técnicas, em nome de uma modernidade que não se per-
cebeu o que eria de facto, tudo co-
meçou uma derrocada já anunciada.
Já escrevi muito sobre isto, mas
basta perguntar se tem algum senti-
do e benefício toda uma massa de
docentes ter sido nomadizada, sem
poder enraizar-se, conhecer, regu-
lar oa parâmetros e ajusamentos da
pedagogia? E para quando a pulve-
rização dessa medíocre formação de
professores feita em escolas espe-
cíficas que nunca foram nada e con-
ferem privilégios a «professores de
aviário», besuntados com algumas daquelas estranhas «Ciências da Educação?» Pobre Magalhães...
Rocha de Sousa
Também sou professor aqui no Brasil. E lamento dizer que a coisa aqui anda ainda em pior pé.
Nos conformamos com o errado e isso é mal.
Abraço,
Daniel
Há muito que não nos cruzamos pela blogosfera, hoje voltei a cruzar o teu caminho, fiquei feliz.
Assim como a água segue os caminhos por montes e vales, cruza-se com riachos e ribeiras.
Há novidades nos meus 2 blogues; num deles mostro as minhas habilidades na escrita, 3 trabalhos meus foram publicados num livro, tou toda vaidosa...
No outro mostro as minhas outras habilidades nas fotografias, dá-me a tua opinião, pode ser?
No Dia Mundial do Sorriso, como habitualmente, distribui muitos sorrisos de forma fácil e espontânea.
Eu tenho um sorriso constante no meu rosto, mas por dentro a alma está triste, magoada.
Beijinhos.
Uma situação insustentável. Não sou professora mas trabalho na administração pública e como entendo o que aqui está escrito! **
fico contente de ter descoberto mais um blog sobre otema "professores em Portugal". vou ler com interesse. Obrigada :))
"desactivação da acção"! extraordinário conceito como forma de submissão.
sem prejuizo da solidariedade com os professores, não poderá o conceito ser alargado ao conjunto da sociedade?
beijo
Li o artigo na íntegra na Visão.
Excelente análise.
Como professora sinto uma enorme revolta interior por pouco poder fazer para remar contra a maré.
E tenho imensa pena desta geração de miúdos que estamos a ajudar a (des)educar.
Beijinho.
Lúcido, como sempre, o Gil. Até doeu, ler as suas palavras. É exactamente isto. E além dos efeitos nefastos que está a ter sobre a qualidade do ensino, é profundamente triste.
beijo*
E o pior é que o nosso país vai pagar por tudo isto... Assustador!
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