Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei-de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei-de ser comigo sozinho.
Tocam de mim, para mim, todos os sinos do mundo.
Da terra cresce a minha anhara imensa, mais agreste, mais nua, mas soando ao meu continente.
É antes uma paisagem lunar: imensidão de areia e pedras vulcânicas, escuras, semeadas por todo o espaço até o horizonte surgir com a imagem precisa de uma pirâmide. Depois o mar.
No ar um cheiro vazio, feito de mar e de sol, um bafo quente como o odor de um corpo que é o nosso. Porque há gentes, há olhares doces, há suavidade no trato, há vozes que cantam as melodias do som, só porque falam em sorrisos que encontram os nossos. Os olhos não se esquivam, antes afagam, comovem, trazem lágrimas doces de outros lugares. Os lugares que vivem dentro de nós porque não há morte para o amor que ainda pulsa.
O vento sopra dobrando as acácias sem flor, levando rasteiro o vapor quente que nasce do chão e se desfaz em água brilhante num esplendor de miragem.
E o sal. O sal da Ilha do Sal tem as tonalidades róseas do deserto. Tem poder curativo – dizem – tal a concentração na lagoa imensa represada. É para mim outro fausto sob um sol inclemente, outro ainda o olho azul que se avista nas profundezas da gruta na rocha alta, aberta sobre o mar.
Compreendo o inconformismo dos outros, de alguns outros. Só quem sabe vestir-se de mar consegue suportar a humidade colada à pele, o ardor do sol, o ar quente.
Hei-de voltar, mesmo grãozinho de pó cavalgando a areia.
9 comentários:
Descrever melhor o teu passeio é impossível. Vejo que vêm maravilhadas dessas ilhas paradisíacas que os portugueses não souberam nunca aproveitar as coisas boas que tiveram ao seu alcance.
Para a próxima faço questão de vos acompanhar.
Que poética descrição da Ilha, que só pode ser vista assim por olhos de sol e luz e saber.
Já disse ao Chat Gris que CV é um país que eu amo, na diversidade das ilhas, na ternura das gentes, na rudeza do clima, em tudo. E que visito de tempos a tempos. E de que sempre tenho sôdade...CV é sabe!
Olá!
Já estava com saudades de me enebriar por aqui.
Bjs. Boa semana.
Vê-se bem pelo teu texto como foi bom esse tempo que passaste em Cabo Verde. E é bom ter-te de volta no PPP.
A Jawaa voltou da sua viagm às ori-
gens, o sol entranhado na pele, um
cheiro diferente que os cheiros do consumo ainda não desfizeram.
Recordar voando nas asas do voo
dela é sonhar também, por mim, com
os meus segredos, a água quente do Ambriz. Há sempre coisas comuns en-
tre pessoas que viveram África, desta ou de outra forma, porque os
estímulos milenares daquela terra
acariciam a lembrança profunda e universal através de uma essência consensual, do fundo dos tempos na idade dos nossos corpos.
Felicito-a. O seu texto diz muito do que eu senti muitas vezes, outrora, em praias brancas orladas de coqueiros. «A pedra» em Cabo Verde será mais brutal e mais indeclinavelmente evocativa de longínquas origens, a montante.
Com um fio apenas, una o princípio ao fim, una as pontas. Poderá ser um símbolo de eternidade,à maneira da fé deliciosamente cega dos povos primitivos.
A minha amizade é como esse fio, as
pontas unidas para sempre
Rocha de Sousa
Tive um dia muito bem passado!
Desejo-lhe um grande fim de semana.
Se CV pudesse ler-te...
Que maravilha, Jawaa!
Um beijinho
amei mais (ainda) Cabo Verde. no teu poético texto.
brilhante. como salgema...
beijos
"Hei-de voltar, mesmo grãozinho de pó cavalgando a areia."
... às vezes... acontece... ao partir, partirmo-nos... uma parte fica, na beira da praia, enquanto a outra parte de nós se vai, nas correntes da vida... e se ao longo do tempo partirmos inúmeras vezes...
gostei do teu sítio. grato pela partilha. deixo um abraço fraterno.
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