sábado, junho 21, 2008

Solstício de Verão


       Diz tudo isso a toda a gente
               que ainda se lembra de mim.
               Diz-lhes. Diz-lhes
               grita-lhes
               aos ouvidos
               ao vento que passa
               e sopra nas casuarinas da Praia Morena.
               Diz aos mulatos e brancos e negros
               que foram nossos companheiros de escola
               que te escrevo este poema
               chorando de saudade
               as veias latejando
               o coração batendo
               de Esperança, de Esperança
               porque ela
               a Esperança
               (como dizia aquele nosso poeta
               que anda perdido nos longes da Europa)
               está na Esperança, Amigo.

Ernesto Lara Filho



O sol chega de manso anunciando o Verão.

Os dias longos e quentes a gritar pelas águas mornas do mar da minha infância. Aquelas madrugadas cálidas a espantar em correrias a miríade de pequenos caranguejos que se deslocavam num rumor só comparável a palavras de amor sussurradas. O sol ainda não, mas a claridade intensa, as ondas mansas, as conchas coloridas cobrindo a areia, os dongos dos pescadores vogando embalados, outros quietos na praia. A cabana de madeira na Samba, o cesto mágico com pão quente e frascos de compota, argolas cobertas de açúcar a segurar a manhã.

Mãos segurando as nossas em carícia terna. E os pés na água depois as pernas, o corpo inteiro mergulhando, apagando tudo o que não fosse a sensação de prazer intenso, a entrega ao ambiente donde não devêramos ter saído.

E o sol subindo devagar.

A maré descendo, deixando algas, deixando marcas como degraus em curva, espaços lisos para escrever já sonhos. Sonhos que o mar apaga nas letras da areia, nos versos rasgados, nas cartas de amor, na fúria da vida.

Hoje, dia do solstício de Verão, cumpri uma parte de mim.

Só por isto, tudo o mais valeu a pena.

10 comentários:

dona tela disse...

Continuo a dar notícias.

Que o fim de semana lhe esteja a correr bem.

Manuel Veiga disse...

esse(s) calor(es) de Verão...

tão intensos...

gostei muito.

naturalissima disse...

Que belo.
Deixei-me levar, julgando que lia pedaço de um livro... Perfeito para inserir numa história de vida, em livro de papel e... não virtual ;-)
Bonito mesmo.
Boa semana
Dani

Justine disse...

Belíssimo texto, transmitindo-nos memórias de sensações, perfumes e sabores.A vida enfim, a latejar.

mena maya disse...

Poderia ficar horas a fio sentada num degrau de uma escada de varanda, numa destas noites longas e quentes de verão, a ouvir-te contar estas histórias...

Maravilha!

dona tela disse...

Quer espreitar o projecto do meu novo "profile"?

Muito obrigada, mais uma vez.

Justine disse...

Belo, o teu texto do Jogo das 12 palavras...

Licínia Quitério disse...

Belo texto. Solar!

Beijo.

APC disse...

Tem um muitimenso de (re)generação, nessa força d'ir buscar atrás a força d'ir andar pr'á frente! ("Apesar dos pesares que pesem") sabe tão bem ao ler...!

Manuel Veiga disse...

beijos