Por toda a parte assistimos assim ao desenvolvimento exaltado do indivíduo nacional. E, com o advento definitivo das democracias, haverá na Europa, não a universal fraternidade que os idealistas anunciam, mas talvez um vasto conflito de povos que se detestam porque se não compreendem, e que, pondo o seu poder ao serviço do instinto, correrão uns contra os outros – como outrora, nas velhas demagogias gregas, os homens da Mégara se lançavam sobre os homens da Lacónia, e toda a Ática se eriçava de armas, por causa de um boi disputado no mercado de Fila ou de uma bulha de rufiões nos grandes pátios da Aspácia.
Voando sobre décadas de entendimento das coisas humanas, ainda me surpreende o espanto das crianças. O olhar atento ante cada brinquedo novo, o colorido, o movimento, a estranheza; a cada aceno, o gesto, o toque, o olhar; a cada encontro com um menino, o riso, o brilho do olhar, a mão estendida. Penso em Rousseau e no seu entendimento dos homens. A aculturação falseada por contactos impostos cada vez mais cedo, moldam um olhar diferente, receoso, aberto, sofrido, esquivo, defensivo.
Perdida a inocência, é cada um por si, contra todos. Já não se lê nas escolas ou em casa a história bonita das sete varas que aquele velho sabedor mandou cada um dos seus filhos quebrar, uma por uma, junto ao seu leito de morte. Do adulto ao mais jovem e frágil, todos partiram cada uma, facilmente, num vergar tranquilo. Porém, as sete varas unidas num molho, simplesmente atadas, não houve força que as pudesse quebrar.
Não é palavra vã citar que a união faz a força. E que o não seja apenas na economia feroz.
Reporto-me à realidade actual das escolas aviltadas, nem só pela ignorância e inépcia dos legisladores, mas pela sandice da luta local pelo poder não partilhado, a falta de generosidade, a vacuidade do esforço alternado de cada um na travessia do riacho fundo por sobre um tronco estreito e periclitante, sem um braço estendido à partida ou à chegada, antes um pé rolando o tronco, criando dificuldades. Todos querem o seu espaço só para si, não se dão as mãos, não procuram afinidades, não se unem mostrando a razão a quem de direito, não reparam que lutam uns contra os outros. Onde a razão reside tão visível.
Não importa só quem está ali. Importa o campo adiante, a margem, a terra firme que é preciso arrotear, semear, regar, para que se torne esplendorosa. Tem de olhar-se em frente, para os outros, para as crianças, para os que precisam, para os que sofrem.
De outro modo a força perde-se em batalhas vãs, o olhar esmorece e o mundo perde a luz.
5 comentários:
Deixo aqui o meu abraço solidário com as tuas palavras. E as de Eça.
Um descanso lúcido/lúdico passar por ti.
Bjinhos
excelente. apreciei especialmente a associação do tema ao que se passa nas Escolas.
O grande Eça de Queiróz..
Mais uma vez o teu pensamento muito bem dito.
A escola de hoje, por vezes sem mesas para trabalhar porque estão carregadas de ecrãs de televisores,
são, apesar disso, lugares de esquecimentos vários, de falhas, de
nomadismo dos professores, de perda
de afectos e ciências da educação afinal redutoras, a violência espreitando tantos erros de planea-
mento, o paradoxo da exigência se-
questrante e das faltas perdoadas e
dos anos vencidos num sopro de nada.
Tenho reflectido sobre isto e fico
muitas vezes a pensar numa acção pedagógica em que participei e na qual quase todos os professores se queixavam, dizendo da impossibili-
dade de dar aulas capazes sem projector de diapositivos, sem próteses tecnológicas, a ludicidade
apoiada das super 8. Por acaso ninguem falava de livros.A certa altura, com uma indignação contida,
um professor ainda novo, barba crescida,pediu a palavra e disse:
«Os caros colegas precisam de tantas muletas que nem sei como sobram pernas para caminhar para o
trabalho. Eu não tenho senão giz, ardósia e crianças cheias de frio.
Mas é preciso pô-las a aprender, mesmo assim, num mundo assim. E vou
com elas para o campo, ensinando-as
a fazer moinhos de vento com as canas cortadas à beira do rio, ou azenhas atadas com fios, rodando
na espuma da margem, aviões de papel, flautas apuradas com um simples canivete. Sabem lá as coisas que os meninos aprendem sobre a gravidade, a força da água e porquê, a verdade de planar com mais peso do que o ar e coisas assim, sempre inventadas a partir da terra, com os seus meios. Ofereçam-me um projector e hão-de ver o que se aprende com as sombras e outras magias assim».
Rocha de Sousa
Enviar um comentário