A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
P’ra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
P’ra tudo se acabar na quarta-feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
Vinicius de Morais
– Vossa Excelência não é lá muito dada às coisas da Cúria pois não?
Pois claro que não. Menos ainda quando era preciso repisar o Auto da Alma, com mais requintes, quando já o tinha considerado «uma estopada» no quinto ano do liceu. Isto nos velhos tempos em que não se tratavam todos por tu, professores e alunos; quando – discriminadamente – os rapazes eram logo tratados por senhor doutor e as meninas por minha senhora no primeiro ano de faculdade.
Sempre me fez espécie a história dos nomes dados às nossas Feiras: a Quarta de Cinzas, a Quinta da Ascenção, a outra ainda do Corpo de Deus, a Sexta da Paixão, a Terça Gorda.
Em relação a esta última, terei aprendido lá por casa que era terça-feira gorda porque calhava sempre em dia de lua-cheia, talvez relacionando com o facto de que era móvel em função das fases da lua. Nada disso. O domingo de Páscoa é que é decidido em função da lua – ocorrendo no primeiro domingo após a primeira lua cheia que se verificar a partir de 21 de Março, equinócio da Primavera – e para trás e para diante são então marcadas as datas, respectivamente, do dia de Carnaval e do dia de Corpo de Deus.
O Carnaval (na sua etimologia carnem levare que significa abstinência de carne) dá início ao período de jejum da Quaresma que termina na Páscoa. Ressalta aqui a função pedagógica da religião, no combate a um dos pecados capitais, a Gula, mas claramente caída em desuso, tendo como resultado o aumento de obesidade entre os cristãos. Como lei imposta não se cumpre, escreve-se em muito papel e muitos artigos numerados. Isso basta.
A razão de chamar-se à quarta-feira seguinte «de Cinzas» é que sempre me intrigou, mas lá me chegou a luz: esta festa marca a mortalidade de Adão, a condenação do nosso primeiro pai pelo pecado original: voltar ao pó, a tornar-se em cinzas, pois então. Os cristãos são assim convidados a purificar-se das suas faltas e a fazer penitência através da privação da carne.
Não simpatizo nem um pouco com as manifestações carnavalescas que proliferam por aí, mas respeito quem nisso encontra uma forma de evasão e renovação. Há quem ligue estas festas às Saturnais pagãs dos Romanos, estas realizadas por ocasião do solstício do Inverno, ainda em Dezembro, portanto, tendo por objectivo dar alguma alegria e coragem ao povo, num período de campos gelados, noites longas e aparente ausência de vida na natureza. Ofereciam-se então presentes: mel, doces, ouro e símbolos de felicidade.
Parece que a renovação existe, sim.
De uma forma ou doutra, num ou noutro tempo, os rituais repetem-se.
13 comentários:
Gostei desse apanhado histórico. E assim como você não simpatizo, nem um pouco, com as manifestações carnavalescas. Ainda mais aqui no Brasil, Bahia.
Abraços afetuosos Jawaa.
Bonita e clara aproximação ao Carnaval, ajustando datas e histórias, mitos e metamorfoses consumistas. Não parece ser o seu «doce». E tem razão. O nosso encontro a esse respeito desconstrói a mitologia local, as orgias antigas, alucinações dionisíacas, preferindo a isso uma
pausa menos catártica e mais ligada
à qualidade intrínseca das manifestações superiores do espírito humano. Não por elitismo
ou denegações snobes, antes porque
nos recolhemos a gostos menos próximos da barbárie. Vejo que aderiu ao meu alerta através daquele carro do carnaval brasileiro, o Holocausto, farpa certeira (insert brutal) numa aparente festa que passa, afinal, pela legitimação transitória de
«artes» e fúrias corporais de gente que trouxe para a actualidade
mentes ensandecidas, num longo processo autofágico.
Rocha de Sousa
uma excelente abordagem do carnaval. gostei muito...
O Manuel Bandeira é que tem uns poemas excelentes sobre o Carnaval.
O que anda por aí é feira de mazelas...
Dark kiss.
E ainda o cariz pagão: pelos nossos dias mantém-se a tradição dos caretos ou máscaros, vivos nas nossas regiões de TRás-os-Montes e Alto Douro.
As máscaras são de uma beleza grotesca, integralmente manuais... nada do que por aí se vende nas grandes superficies, silicones e outros plásticos.
Por mim passo a quadra, mas sabem-se bem os dias de lazer.
Um beijo.
PS.: Que bem me soube ler "5º ano dos liceus"!
P. S. Visita, participa: http://novaaguia.blogspot.com/
- até porque por lá anda uma gente a precisar de lições de além-mar!
5ª ano do liceu, uma autêntica faculdade de conhecimentos (para quem era curioso)! E representávamos Gil Vicente.
Canto esta canção desde pequena e não gosto do Carnaval, a não ser como a tal manifestação de alegria para intervalar o inverno pesado. Cristãos de outros tempos, bem teriam de lutar contra o paganismo... Hoje a Gula, a Preguiça, a Inveja... enfim... vêm nos jornais com preço, tudo incluído.
Mas ia responder-te sobre a Chaenomeles japonica, que descobri nas minhas amigas e fui ver à wiki para confirmar. Dá uma espreitadela; em português a Ana Rámon chama-lhe marmeleiro japonês ??? E a piada é que eu não sabia, conhecia-a, amava-a, sem saber que a "orientalidade" mais uma vez me fazia um apelo.
Bjinhos
Olá Jawaa
Obrigado, por mais uma lição.
É sempre bom aprender um pouco do tanto que não sei.
A trepadeira é uma "Pyrostegia venusta", conhecida como bignónia.
O povo aqui, chama-a "Gaitas" ou "Gaitinhas", pois, soprando de uma das extremidades, emite som.
Se precisares de mais algum dado, estou disponível.
Deixo-te um abraço
Também não gosto das manifestações carnavalescas que por aí há, mas em tempos que já lá vão tive muitas festas de Carnaval em casa com amigos e amigos dos filhos que nos divertiram imenso.
Memórias disse...
Gostei desse apanhado histórico. E assim como você não simpatizo, nem um pouco, com as manifestações carnavalescas. Ainda mais aqui no Brasil, Bahia.
Abraços afetuosos Jawaa.
Informação pertinente, tendo em conta a época em que vivemos. Gostei de saber.
Simpatizo apenas com o feriado. Com a pausa para respirar. De resto, o que tenho visto é piroso e rídiculo e vale ao menos às crianças. Relembrei contudo as memórias do "Mardi Gras" francês. Em França não havia carnaval até este ano ter sido surpreendida na TV com a adesão à quadra! O Mardi Gras era apenas o dia em que se faziam os tradicionais crepes franceses, bem gordinhos...
Bisous
Em Berlim não há grande tradição de Carnaval, ao contrário de outras cidades alemãs.
Em Rottweil é muito diferente e interessante.
Aqui mais
fotos
Enviar um comentário