Sem pretender comentar afirmações de vários escritores actuais sobre a dificuldade de encontrar vocabulário em língua portuguesa para a temática do sexo na nossa literatura, transcrevo a seguir um trecho da prosa de Aquilino Ribeiro.
Talvez falte leitura, talvez falte alguma arte.
(Talvez sobejem os salões de depilação.)
Não faltam palavras.
«As cobras agora enroscavam-se umas nas outras e os pardais espenujavam-se, bicando-se, por entre os ramos floridos. Rolando-se enervada e brincalhona, Eva descaiu sobre nosso pai. E no peito lanzudo dele as narinas de Eva ruflaram. Depois, com meiguice nova, as suas formas cheias roçaram a musculatura seca. Ao mordê-la nos bicos dos seios, proferiu ela em voz quebrada:
– Rico sabor há-de ter o fruto misterioso do bem e do mal!
– Porquê?
– Se não tivesse, não era assim proibido!
Adão suspendeu-se a reflectir. Depois proferiu:
– Mas não era melhor que o nosso amo nos dissesse: o fruto, ei-lo! Agora, amigos, vejam lá no que se metem!
– Quem sabe lá se uma pessoa se não tentava mais depressa!
– Tu serias capaz, eu não!
– Sei lá!
Como estivessem muito próximas, involuntariamente as fontes frescas de suas bocas juntaram-se. E pareceu a qualquer deles que era doce como o mel, um mel inefável. Adão estirou a perna num esticão nervoso; gaiata a rir como a água nos seixos, nossa mãe apertou-lha entre as suas, pronunciando:
– Olha para ali… olha como se enroscam as serpentes…!
E Eva, à semelhança, tentou enliçar-se nos braços rijos de Adão. A nuvem misteriosa, recurvando as pontas, lançara sobre o parque um velário, onde as laranjas quase luziam como pequeninos sóis a distância. Um suspiro de mil suspiros errava no ar.
– Faze-me como as serpentes e como a nuvem – disse para Adão a tentadora e subtil.
E o homem acedeu. Na encontrada dualidade, dor e volúpia daquele braço, pressentiu Eva que haviam descoberto o perigoso fruto. Mas o sumo bem, que se lhes deparou, era mais forte que tudo – Deus, a angústia, a guerra crónica. O temor de arrostar a cólera divina e o orgulho de devassar os enigmas celestes, por outro lado, mais fogo traziam ao seu fogo. A nuvem oscilou sobre eles e cambiaram as tintas; de escarlate, o ar coloriu-se do oiro do conseguimento, depois do fosco da saciedade…»
Aquilino Ribeiro, in «O Jardim das Tormentas»
8 comentários:
Um bonito texto e uma boa lembrança.
Bravo! Quem sabe...sabe. Eu limi-
tei-me a uma intervenção metodolo-
gicamente jornalística, sem querer
substituir a escassez daqueles es-
critores nem fazer qualquer levan-
tamento, apesar de haver citado Luiz Pacheco (A Libertina...). Este exemplo é uma das mais belas
bofetadas de luva branca que tenho visto aplicar à bonomia preguiçosa
e fútil dos mercenários da prosa.
Rocha de Sousa
Que doce fruto, a poesia da escrita dele. Aquilino que brada forte a terra! Não conhecia (ou lembrava), porque a vida consome, mesmo as doces memórias. Bjs
doce o fruto proibido...
Sobre o fruto.
Amei o texto.
Tem continuação?
Por favor.
Olá Jawaa
Talvez sobeje a barbaridade e falte a sensibilidade!
Palavras…, essas nunca faltaram, sejam elas para o bem ou para o mal.
Gostei deste tema.
Que tenhas um bom fim-de-semana
Abraço
Para que precisam eles de palavras?
Pretensões de, também isso, apenas o viverem perdidos por entre leituras que outros, na febre dos sentidos, vão contando?
[estarei hoje menos condescendente?]
- - bonito post! *** - -
Belíssimo texto.
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