Nada sei do futuro dos dias que virão.
Sei dos dias que já correram em flor de mágoas, frutos de amor ou sementes de esperança, incerteza, descrença. Também de espanto. Por cada dia que chega, os olhos se abrem e o mundo derrama neles nova luz, nem sempre ténue, nem sempre suave, mansa, como surge no alvorecer.
É que aí, nós não estamos acordados, cada vez mais lestos em prolongar o dia pela noite de luz mentirosa que despreza a da estrela-mãe. E, quando nos levantamos, o sol vai alto e fere a retina, grita aos sentidos o que não desejamos, queima e agride, tanto mais, quanto menos vamos estando capazes de suportar a investida, o golpe, o peso forte da natureza em mutação.
Já se foi o pigmento dos cabelos, o frescor da face, o brilho límpido do olhar, o sabor do palato. Ficou o fulgor da mente, a alegria do riso, a graça das tranças já não do cabelo farto, mas das lembranças ondeadas mas certas, enroladas de sonhos.
Eu vou estar sempre consigo, embrulhadas ambas nos lugares que vivemos noutras latitudes, no mundo outro que habitámos, que já não tem lugar nos tempos que escorrem, sem outro ensejo, nesse outro planeta apenas visitado agora em nossos devaneios.
Vamos continuar a seguir de mãos dadas atravessando as ruas, olhando as figuras de jade do bairro chinês, escolhendo as bonecas de missanga, continuando a cobiçar as figurinhas de porcelana dos doze signos, as enfiadas de tartarugas da longevidade. E a jarra de laca vermelha.
Escrevo estas linhas num dia em que recordo o pai que me gerou e o foi também seu e de meu irmão. Será octogenária à entrada do novo ano chinês e eu farei por si um brinde com o vinho do Porto que vai sobrar da mesa de Natal, onde em cada ano deixo aberta a garrafa e os copos para a celebração dos que um dia já partilharam a nossa Ceia.
Afinal acabo no futuro que desconheço. Mas apeteço. Enquanto o houver, mau grado as divergências que a vida regeu para nós, os lugares, os continentes, os gostos, as idades, a condição, nós permaneceremos lacradas de afecto, no desfolhar das «Mani di Fata», na celebração das caçadas, nos cacimbos secos à sombra das laranjeiras do quintal.
8 comentários:
Que bonito post! agora era bom que ela pudesse ver e ler!
Priemiro de tudo quero manifestar a minha satisfação por te vêr de volta.
Eu ausentei-me também por um período, mas o meu regresso não me leva ainda a ter disponibilidade como dantes para visitar e comentar nos blogs.
Mais uma vez, te apresentas com um belissimo texto, de caracter HUMANO e carregado de ternura.
SENTI MUITO AMOR POR AQUI.
Voltarei e passarei também a ver as tuas fotografias.
Obrigada, amiga.
Um beijinho
Daniela
Bem vinda. Estava a ver que nunca mais. Que texto! Estou mais uma vez sem palavras.
Beijinhos
Jawaa,
Ufa! Finalmente de volta! Que bom. Já estava com saudades de te ler!
Eu também conheci uma Mariazinha. Linda de morrer... e que também agora deve ser octogenária! Será a mesma?
Beijos
"Nada sei do futuro dos dias que virão"... "Nunca pensei nisso, gosto só de brincar com as palavras..."
Quem sabe...quem sabe um dia... eu ia gostar muito e não era só eu, garanto!
Beijo deste seu Pingo de esperança!
Olá!
Passei aqui pela primeira vez. Gostei tanto do que li...porque me fez sentir, emocionar, arrepiar...deu vontade de voltar...
Voltarei. Um abraço.
Cá estou e ainda bem...
Deixaste-me enternecida mulher.
Nem imaginas o que me tocaste.
Eu tenho um amor imenso pelos mais velhos e pelas suas histórias de vida. Tanto mas tanto me tem ensinado.
Aqui e agora me comovi.
Lindo o que escreveste. voltarei muitas vezes para te ler.
Isabel
Desculpem o atraso neste agradecimento, mas surgiu um problema com o blogger que alterou o meu nome para o pessoal, sempre que quis aqui comentar. Um beijo grato a todos os que me receberam com tanto carinho e também aos que de novo me visitam. Obrigada, sempre.
Cangonja, esta Mariazinha é irmã de minha mãe, bem + nova, que connosco conviveu e acompanhou a infância, vive hoje no Canadá com a filha, não creio que seja a mesma que referes.
Enviar um comentário