Eu
sei, é preciso esquecer,
desenterrar os nossos mortos e voltar a enterrá-los,
os nossos mortos anseiam por morrer
e só a nossa dor pode matá-los.
Tanta memória! O frenesim
escuro das suas palavras comendo-me a boca,
a minha voz numerosa e rouca
de todos eles desprendendo-se de mim.
Porém como esquecer? Com que palavras e sem que palavras?
Tudo isto (eu sei) é antigo e repetido; fez-se tarde
no que pode ser dito. Onde estavas
quando chamei por ti, literalidade?
E todavia em certos dias materiais
quase posso tocar os meus sentidos,
tão perto estou, e morrer nos meus sentidos,
os meus sentidos sentindo-me com mãos primeiras, terminais.
desenterrar os nossos mortos e voltar a enterrá-los,
os nossos mortos anseiam por morrer
e só a nossa dor pode matá-los.
Tanta memória! O frenesim
escuro das suas palavras comendo-me a boca,
a minha voz numerosa e rouca
de todos eles desprendendo-se de mim.
Porém como esquecer? Com que palavras e sem que palavras?
Tudo isto (eu sei) é antigo e repetido; fez-se tarde
no que pode ser dito. Onde estavas
quando chamei por ti, literalidade?
E todavia em certos dias materiais
quase posso tocar os meus sentidos,
tão perto estou, e morrer nos meus sentidos,
os meus sentidos sentindo-me com mãos primeiras, terminais.
Manuel
António Pina
Os
dias arrastam-se pesados, mas eis que chega o equinócio da primavera
a lembrar que a natureza continua a celebrar a vida, a vida em
constante renovação, alheia aos sinais de decrepitude que os homens
insistem em celebrar. É certo que os humanos morrem vitimados pela
idade, pelas doenças e pela fome que a fartura de poucos produz; mas
é certo também que os outros seres da natureza seguem o mesmo
percurso inexorável de renovação da vida sem a angústia de
Sísifo.
Hoje
quero celebrar a vida deste espaço que teve início aqui,
vai quase uma década. Foi uma tarefa sugerida num tempo em que foi
preciso ajuda para não soçobrar, foi uma tarefa nem sempre fácil
mas certamente de fruição plena. À medida que os anos foram
passando, o espaço de libertação foi encontrando fronteiras e
caminhos fechados, por vezes encruzilhadas onde era difícil escolher
sem bússola, e o cansaço a pouco e pouco foi deixando marcas. A
exemplo de outros, tempo de fechar a casa.
Porém
não sou capaz. Foram muitas as alegrias partilhadas, foi muita
entrega, foi o tirocínio para publicação de um livro, para outras
escritas que me roubam o tempo para este espaço, para pensar numa
renovação. Mas é tudo uma questão de método para gerir as horas
de insónia e de lazer, é apenas querer. Estes nove anos completados
deram frutos dentro de mim enquanto semeava pedaços de vida que
ninguém queria ouvir, pedaços soltos de lava em que estava atolada.
Ficou a cratera e bem no fundo a lava ainda arde, mas repousada.
Olho-me
ao espelho e o meu retrato mudou. Pintei-me de branco, das tantas
vezes que saltei o oceano para travar conhecimento com mais um
continente onde mantenho aquele pedaço de mim que refiro no primeiro
post, onde encontrei Mr. Binx menino e mimado, o Mr. Binx promovido a
Lord a quem presto homenagem no último post. Pintei-me de branco e
risquei-me de rugas com os amores, os afectos mais perto que hoje me
acrescentam, me ocupam os dias que restam.
A
nossa hora de verão está a chegar, já os campos se cobrem de
amarelo e branco e as mimosas alegram as estradas, nos jardins
florescem os jacintos odorosos, os narcisos, as prímulas, os
amores-perfeitos. Este ano temos um eclipse solar: pode ser, como
criam os antigos, que seja uma mensagem dos deuses.
Vou
tentar regressar ao meu espaço com passos mais certos, reciclar
leituras, esquecer aqui o desencanto pelos figurantes da política do
nosso país bonito, manchado de cinismo, hipocrisia e indignidade.