Toda a experiência do amor tem o gosto melancólico de uma simulação. Talvez o amor seja uma terceira entidade que se interpõe entre duas pessoas, suscitando-lhes desejos de aperfeiçoamento incompatíveis com a consumação que define a humanidade. Acabei por reconhecer que não é de mim nem do Álvaro que eu tenho pena; lastimo o exílio sobrenatural dessa terceira entidade, rodando no vazio de um firmamento demasiado alto.
Inês Pedrosa in «Nas Tuas Mãos»
As certezas não são pródigas, não conduzem a nada. Só as dúvidas trazem vontade de enxergar mais longe, procurar algo que nos satisfaça, que nos dê firmeza naquilo que consideramos as nossas convicções e o tempo nos mostra que não eram assim tão seguras. O que ontem era verdade já não nos parece tão real assim nos tempos que passam, porque nós também mudámos, se não tão depressa, pelo menos fomos acompanhando de longe com alguma relutância essas novas esferas e o tempo se encarregou de provar que os outros é que tinham razão.
Não é muito agradável, claro. Custa muito menos escrever ou dizer, do que sentir cá dentro e dói um pedaço, sejamos honestos. Mas a César o que é de César e dou comigo a ponderar até que ponto temos razão defendendo a todo o custo alguns valores que, não deixando de sê-lo, não estão à altura já de servir os interesses que se impõem no mundo globalizado que impera nas nossas vidas, ainda que queiramos a todo o custo negá-lo. As malhas envolvem todos, cada vez mais finas, nem há como escapar. Todos nos acorbertamos debaixo do mesmo gosto pelas calças de ganga e sapatos desportivos, cozinhas funcionais e sem alma, casas movidas a computador, as artes digitais, as viagens low-coast, as comunicações em escrita digital. É tudo rápido, tudo tem de ser feito muito depressa que a vida não chega para tantas solicitações e é preciso experimentar tudo.
Eu tenho dúvidas quando se vai alertando para a necessidade – urgente, essa sim! – de reprogramarmos a nossa postura perante o planeta, de refrear o consumismo para evitar desperdícios estendendo a vida de cada um dos nossos teres, de ensaiar moderação nos gastos de energia, de lembrar alguns procedimentos antigos e recuperá-los, renovando-os. É tudo possível, desde que tenhamos a consciência do mal que fazemos, desde que tenhamos força para mudar.
E mudar começa por nós. Mudar porque o sol que brilha agora é diferente do que ontem se escondia atrás das nuvens que prometiam chuva. Às vezes mudar apenas a forma de amar.