Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário em todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. »
Mia Couto
É lugar comum referir quem tenha uma pedra no coração, ou um coração de pedra, num desses noticiários insanos de fait divers tornado notícia de abertura de jornal. A pedra imagina-se aí informe e cheia de arestas, pontuda, cinzenta, enegrecida de sentido pejorativo.
Há outras pedras, porém. Lisas, polidas, suaves ao tacto, branqueadas pelas águas a que dão o nome de seixos. Rolam, não ferem, apenas pesam como as outras.
Às vezes acordo com uma no peito. Também é lugar comum, mas a sensação existe. Não sei definir bem o local, talvez mais perto da boca do estômago, no peito, enfim. E não é um seixo, não. É uma pedra. Como a quiserem imaginar.
Então sinto-me com um peso que não é o meu, de seu natural. Tento saber o porquê daquela companhia, quem a trouxe – se alguém o fez – ou se não passa de um daqueles cadinhos que não coube nas memórias da noite e acabou rolando para outro lugar. Foram os sonhos, os pesadelos, as incertezas, as angústias de um sonho mau.
Pois bastas vezes lá sinto o peso da pedra e, sem esforço, vejo-a. Já morei num lugar longe onde havia pedras como as não vejo por aqui. Pedra ferrosa. De cor castanho ferrugem, arredondadas, crivadas de orifícios circulares onde moravam duendes e fantasias de criança. Às vezes grilos.
Essas pedras enormes bordejavam a casa do tempo de férias, formavam um degrau, era lá que nos sentávamos a ver chegar o gado, recolher os bichos que cirandavam com o sol e procuravam então o abrigo da noite. Com outros bichos junto de mim, quietos. Outros voltejando no ar.
Essas pedras permanecem, tenho a certeza. A casa não.
Foi ali que nasceu a jawaa, quem sabe iria pequenina esbracejando dentro daqueles círculos, criando asas dentro do ovo, vendo a luz através da casca, em cada noite já sem sono, em cada ida às perdizes, em cada cacimbo, em cada madrugada, em cada entardecer.
Eis que chega um novo Maio.
As minhas flores já abriram.
São inigualáveis.