sábado, setembro 23, 2006

Deixa-me ser...



«Desta vez deixa-me
Ser feliz.
Nada aconteceu a ninguém,
não estou em parte alguma,
simplesmente sucede
que sou feliz
pelos quatro costados
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.

O que posso fazer, sou
feliz...»

Pablo Neruda

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sexta-feira, setembro 15, 2006

Tranquilidade


«Somente depois de bem morto hei-de dispor daquela paz
Que sempre apeteci mas nunca procurei
Até por não ter tempo para isso nem sequer para saber
Coisas simples como saber quem sou porque ao certo só sei
Que muito mais passei naquilo em que fiquei
Nem que fossem os filhos ou os versos
Que fiquei muito mais naquilo onde passei
Como passos na areia no inverno ou repentinas sensações
De me sentir de súbito sensivelmente bem
Encher o peito de ar e sentir-me vivo...»

Ruy Belo


Em primeiro lugar e sempre, o espaço.

Aí, o espaço que aceitei com humildade e encanto também, por diferente. O espaço outro, que mais e mais me foi faltando, já não tem a ver com lugares ou pessoas, está dentro de mim, ou não está.

O espaço que habito aqui por breve tempo é imenso, familiar, mas principalmente sereno. E multifacetado culturalmente. E alegre. Num virar de esquina, um sorriso e «hello!». Muitas vezes um véu esconde os cabelos e o trajar revela recato, mas o sorriso aberto destrói de imediato a impressão de severidade. «Hi!»

As pessoas parecem mais felizes. Olham os outros nos olhos com serenidade, a sinceridade que me falta aí. Portugal tornou-se snob recusando um olhar, um cumprimento, um sorriso espontâneo, mesmo a quem se conhece. Principalmente.

Estou sentada num espaço largo no Eaton Mall, há crianças educadas que riem das imagens projectadas num ecrã ao fundo, com situações breves e divertidas de «Kids and Pets». Não me impedem de tomar notas. Uma senhora idosa, de ar afável senta-se perto de mim com um chocolate quente e mais além dois asiáticos conversam e comem agilmente, usando dois pauzinhos.

Sorrio para dentro da minha solidão à espera do fim de tarde para o jantar com quem semeia flores no meu espaço aqui.


quinta-feira, setembro 14, 2006

Quem és tu?


O Binx é mesmo uma ternura.

Recebe-me com encostos mimosos nas pernas, vigia as minhas descidas ao quintal, responde à minha conversa (é um gato miador), comunica se quer comida ou rua.

Já me adoptou.


quarta-feira, setembro 13, 2006

Um dia em Chinatown


Hoje o céu cor de cinza deixava cair uma chuva de molha tolos que não impediu o veraneio dos turistas ou o negócio de rua dos vendedores, menos ainda a circulação ritmada e frequente de autocarros e eléctricos nas ruas largas da cidade, aberta a uma multiplicidade de raças, credos e linguagens que se não questionam.



Tons de Outono em St. Jacobs



Os pastores de Virgílio tocavam avenas e outras coisas
E cantavam de amor literariamente.
(Depois - eu nunca li Virgílio.
Para que o havia eu de ler?)

Mas os pastores de Virgílio, coitados, são Virgílio,
E a natureza está aqui mesmo.

Alberto Caeiro


sábado, setembro 09, 2006

Nascer do dia


«Mas, nesse caso, onde está a grandeza da vida?
Se estamos condenados à comida, ao coito, ao papel higiénico, então que somos nós?
E se só somos capazes disso, que orgulho podemos tirar do facto de sermos, como nos dizem, seres livres?»

Milan Kundera


quarta-feira, setembro 06, 2006

Espaço Azul

Há quem o ouça muitas vezes,

Há quem o ouça raras vezes,

E há quem o ouça

Uma única vez na vida.

Por isso vale a pena

Talvez tarde pela noite, quando o silêncio nos rodeia,

Escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós,

No fundo, lá bem no fundo do corpo.

Michal Snunit



O medo é um sentimento poderoso que nunca consegui descrever e continuarei a sentir para sempre. Creio em relação a isto que o tempo vai amainando a sensação, e apenas porque o consigo racionalizar, assim foi sendo ao longo dos anos. Em mim, o medo que prevalece é o receio de estar só e não conseguir orientar-me. Aliás esta perturbação está presente com muita frequência nos meus sonhos. É assustador.

Navegar no meio do oceano (num transatlântico, claro!) ou planar sobre ele, não me assusta, antes me tranquiliza. Sinto o fremir, o ruído e, na primeira hora, o balancear. Todavia gosto de sentir-me a deixar o chão, gosto de observar os flaps das asas, ver os recortes dos continentes, mais e mais longe. Por largos momentos um avião deve tomar o sentido da corrente dos ventos, porque plana serenamente, sem o mínimo estremecimento.

Olho através da pequena janela oval a meu lado e vejo uma linha de horizonte marcada por um halo, a dividir o céu em dois: por baixo um azul cálido atapetado de nuvens, acima um tom puro e brilhante de azur. Logo a seguir, pequenas nuvens de fumo branco passam sobre a asa, mais e mais fumo, depois só nevoeiro. O avião plana e não bule.

Como se pode sentir medo?

De quê?

Da quietude?

Da intensidade do sentir?

Adiante, de novo aquele tom intenso, fundo, brilhante. Em baixo, pintura digna de registo pela máquina que não pude trazer comigo: um mar de veludo riscado a régua, com claras batidas em neve saindo em borbotões dum saco de pasteleiro.

Sobre o Novo Mundo, castelos enormes de algodão puríssimo. Mergulhar ali é entrar na eternidade.

sábado, setembro 02, 2006

sexta-feira, setembro 01, 2006

Espera

«O João dorme… (Ó Maria,

Dize àquela cotovia

Que fale mais devagar:

Não vá, o João, acordar…).»

António Nobre




Estou aqui, pousada na balaustrada.

Sobre o mármore, espero o vento outonal que enfeita o céu de algodão e varre as folhas cansadas de verde. E traz as rolas novas.

Não é verdade que o Outono só anuncia a tempestade. Com ele apenas chega mais frio. Mais frio e depois a neve. Os sabores mais fortes do que nos sustenta o corpo, os fumeiros, o odor do queijo, do mosto, o sabor do vinho novo. E as castanhas.

O afago doce das malhas, das camisolas de lã, as meias, os garruços, o cachecol enrolado que cobre a boca e as orelhas.

Venha então a neve. E os bonecos de nariz de cenoura. E o desporto que não sei contar, mas sei dos que dele sentem a volúpia.

Eu gosto do primeiro arrepio do Outono.