terça-feira, maio 30, 2006

A Terra

Ele caminha para nós como um Deus sobre o mar. (…)

O Árabe olhou-nos simplesmente. Pressionou, com as mãos, os nossos ombros, e nós obedecemos-lhe. Estendemo-nos. Não há aqui raças nem línguas, nem divisões… Há este nómada humilde que coloca sobre as nossas espáduas as suas mãos de arcanjo.

Quanto a ti que nos salvas, Beduíno da Líbia, não te apagarás da minha memória para todo o sempre. Nunca lembrarei o teu rosto. Tu és o Homem, e apareces-me com o rosto de todos os homens ao mesmo tempo.

Surges imbuído de nobreza e beatitude, grande senhor que tem o poder de ofertar a bebida. Todos os meus amigos, em ti, caminham na minha direcção e a partir deste momento não tenho no mundo um só inimigo.

Tradução livre de um excerto de Saint Exupéry, in «Terre des Hommes»




Há dias em que subitamente me percorre uma lucidez que fere.

Quem sou, o que fui, o que me tornei. O que os outros me vêem, pois se eu própria me olho ao espelho e me desconheço. Por vezes sorrio e encontro-me. O esgar da boca transforma as pregas das faces, erguem-se as maçãs do rosto, descem os sobrolhos, os olhos cerram-se e eu estou ali. Tornei-me adiada, conformada, confirmada, adequada. O que eu fui, apagaram-me, apaguei-me, tecla delete. O que eu sou… é decerto o que eu me sinto e só tem um nome: estranha, para não dizer estrangeira, alienígena.

Queria ser o Principezinho e não só impacientar-me com as pessoas grandes: voar com as aves de migração, pousar num deserto, guardar ovelhas em caixas de papel, ver flores plantadas nas estrelas, preocupar-me em defender as rosas, fazer amizade com as raposas … e, quando nada mais houvesse para remediar neste mundo absurdo, ter uma serpente amiga para regressar a casa.

Eu sou dum signo da terra. Quero ir para a Terra.

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